quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Não faça nada por mim

Depois de escurecer repentinamente, e de cair uma chuva mole e fina, depois de parecer que não haveria mais dia seguinte, e que tudo, enfim, se quedou silente, então pude pensar um pouco, ouvir o coração batendo no ritmo da respiração calma. Ser o que sou. Independente. Eu. Inteira. Sem tempo e sem explicação. Desprovida de justificativas. Apenas. Simples. Eu.

Não nasci para ninguém. Ninguém nasceu para mim. E, no entanto, tantos em mim vivem em plena harmonia e alegria. Tantos sem pátria, sem casa, sem nada. Não me traga nada. Não me traga nem respostas. Não me dê o que não pedi. Pode ser uma surpresa boa. Mas pode não agradar. Conte com isso.

Eu vou passar. Vou ser como o vento que nem disse a que veio. E já foi. Vou me entregar como quem pula na piscina de água translúcida. Já segurei a respiração. Já estou de olhos bem abertos. Em busca do silêncio profundo que faz tanto bem. A falta da gravidade. É isso que quero hoje. Nada grave. Nada pesado. Nada para amarrar meus pés como se houvesse apenas um jeito certo de ser. Deve haver um milhão de formas para viver a mesma vida. E não sei em que número estou, quantas vidas já se passaram e quantas tentativas ainda me restam. A vida que se renova como uma espiral.

Eu quero a mão que aperta a minha sem pressa. Quero sua busca da minha pele. Quero a boca que me diz amor. E depois pode ir. Pode ir dormir. Pode me deixar. Que fique o tempo que precisar ficar para haver essa entrega. Esse encontro. Esse momento único em que não há mais nada no mundo. Um istmo de segundo em que tudo fica em suspenso e a vida é inteira, toda ali, total. Eu quero a cumplicidade que não violenta, que não exclui, que não é restritiva. Que é justamente cumplicidade: o dobro. Quero tudo.

Já fiz todos os papéis na peça. Agora quero ser a peça. A dança, o quadro. Não quero mais dividir nada. Não quero regras como se a vida fosse um jogo. O jogo acabou. Não procuro relações tipo mar-e-praia, um entrando e o outro encolhendo. Não me interessa saber se existe vida na praia. Se existe vida no mar. Quero o ar solto e frio e quente e úmido e seco e – antes de tudo – volátil e desapegado que vem da maresia. Quero que o amor seja assim, brisa apenas sugerida pelo movimento dos cabelos. Me faz sentir o toque delicado de seus dedos.

Não vou fugir. Diante do rochedo – ah, a terra que ilude solidez – vou apenas seguir em frente, porque o que desejo está no topo e não no chão. Porque o que faz da vida movimento não é a permanência e sim o deixar ser. Ser o descontrole e ser o amparo. Ser o peito que acalenta e a mão que abana um adeus. A vida é onda. Vai e volta e desbanca a areia no fundo. Carrega junto o que pensava dar pé.

Pode escurecer, pode acabar a luz, podem tremular as sombras das pessoas na luz de velas. Pode ficar frio, não ter comida, acabar o dinheiro. Pode ser que eu tenha que devolver o brinquedo, ir embora mais cedo, carregar tudo que é meu, ficar de castigo. Pode até ser que tudo seja em vão e vazio, inútil, que tudo se perca, que não reste nem migalhas pelo chão para registrar a passagem. Se, no entanto, minha mão estendida alcançar a sua, se um abraço preencher todos os espaços, se o ar que me restar for o que você exalar, assim mesmo, saberei que vivi. E amei.

Não faço promessas. Não faço perguntas. Acredito. No meio do sobe e desce dessa gangorra, vou ficando só enquanto divertido. Enquanto encanto de criança. Porque criança ri de tudo e de nada. Criança dá a mão e acredita que estará bem. Criança se joga nos braços que se abrem e chamam para si, de olhos fechados, confiantes. E abre a boca para o alimento que vem. Quero esse amor criança, que se debruça perigosamente para o outro e que, não se esquecendo nunca de si mesma, se perde no outro. Quero a grande brincadeira de ser o outro do outro. Enfim, hoje, quero que o amor seja uma brincadeira de roda. Sem tempo. Sem medo. Novo.

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