sábado, 2 de janeiro de 2016

Daquilo que sei

Já me separei de pessoas as quais amava apenas por não ter estrutura emocional para acompanhar suas escolhas de vida, escolhas essas que me impactavam. No entanto, se tudo que nos ocorre é assim o que de certa forma atraímos ou buscamos, talvez eu tenha vivido essas experiências para sair daquela estrutura emocional que não dava conta desses impactos. Talvez eu devesse ter insistido, deixado acontecer, devesse ter me mexido e não reagido. Ainda assim, por via das dúvidas, já me perdoei por tudo isso.

Ocorre que a vida não tem ensaio geral, não tem script prévio, e, não sei, talvez também não tenha roteiro. Ela acontece e, acontecendo, vai criando uma nova realidade a cada momento. Como uma trama engendrada em vários fragmentos soltos, aparentemente desconexos, que vez por outra se encontram e se encaixam. Outras não.

Às vezes, se encaixam apenas temporariamente. No rápido espaço entre uma estação e outra. Ou apenas na espera de chegar a próxima parada para descer correndo sem olhar para trás. Como se a natureza de um pudesse interferir na natureza de outro pelo simples motivo de coexistirem. Como se não fosse possível separar o amontoado emocional que compõe cada um de nós dos aglomerados alheios. Por amor, a vida se torna permeável. Perigosamente permeável.

E do que era um movimento para subir a estrada, parece repentinamente levá-lo para o outro lado, a outra margem, um outro rumo, desconhecido, desacordado. Eu não sei se é exatamente isso que procuro quando encontro alguém em quem fiar-me, e unir-me. Um rumo desconhecido, uma proposta não pensada antes, um ritmo diferente. Ou se procuro alguém que possa me apoiar nas minhas escolhas, certas ou erradas, não importa, apoiar minhas decisões, acompanhar-me nos meus caminhos.

Parece que, sempre que quis de um jeito, encontrei alguém com expectativas no outro jeito. Mas não é verdade. Por um determinado tempo – que pode ter durado anos ou dias – caminhamos, sim, juntos em conexão. Numa comunhão espontânea de intenções. Numa alegria incontrolável de estar junto. Ou, ao menos, de fazer junto. Ou ainda, de ser reconhecido fazendo através do olhar do outro. Nesse istmo de tempo, o tempo não existe. A vida toma uma proporção assustadoramente grande. Tudo o mais que poderia atrapalhar, impedir, ou negar, diminui ou enfraquece. A emoção reconforta, alimenta e autorregenera.

E, dado que é vivo, um instante se precipita em morrer. Alguns, como a genética generosa de poucos, não chegam a agonizar. Outros, declinam em busca de bengalas, muletas, aparelhos até que alguém decida por desligar tudo.

Conheço muitos relacionamentos longevos, sinceramente duradouros, persistentemente tranquilos. As divergências existem, mas existe uma compaixão pela diferença. Cada um tem um ritmo, mas a dança é perfeita no resultado final. Ou as semelhanças são tão síncronas que o restante se torna supérfluo. São universos que muitas vezes passaram por buracos negros e sobreviveram, como um milagre. Uma forma de comprovar a existência de deus. Sim. Claro. Se duas pessoas convivem amorosamente no mesmo espaço por um longo período de tempo, seja em tempos do cólera ou da abastança, seja para a felicidade recíproca ou para a proteção de uma prole, então, deus existe.

Conheci deus em diversos momentos da minha vida. E ele se mostrou em tantas facetas, majestosas ou pedintes, que não posso nunca acreditar que estou nisso sozinha. Não posso imaginar que os desafios se apresentem apenas para me testar, o que seria frugal demais para valer a vida que está envolvida. Não. A minha busca é uma fé total na certeza de que pessoas – mesmo as mais complexas, as mais rebuscadas e as mais simples – elas querem se unir numa vontade maior alheia à sua própria, numa dimensão maior que a sua. O que elas esperam é uma vida mais rica, mais alguma coisa. E não menos.


Embora um relacionamento não seja uma aritmética simples, o resultado “menos” não pode ser aceito, porque isso expressará que as pessoas preferem esvaziar suas vidas a ter que procurar novos significados. A vida a dois deve ser mais, simples e mais, flexível e mais, apaixonante, apaziguadora, devotada. Dois é mais que um, embora não seja possível comparação. Embora o cada um mantenha seu próprio valor, sua própria luz e sua própria vida.

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