Já me separei de pessoas as quais amava apenas por não ter
estrutura emocional para acompanhar suas escolhas de vida, escolhas essas que
me impactavam. No entanto, se tudo que nos ocorre é assim o que de certa forma
atraímos ou buscamos, talvez eu tenha vivido essas experiências para sair
daquela estrutura emocional que não dava conta desses impactos. Talvez eu
devesse ter insistido, deixado acontecer, devesse ter me mexido e não reagido.
Ainda assim, por via das dúvidas, já me perdoei por tudo isso.
Ocorre que a vida não tem ensaio geral, não tem script prévio, e,
não sei, talvez também não tenha roteiro. Ela acontece e, acontecendo, vai
criando uma nova realidade a cada momento. Como uma trama engendrada em vários
fragmentos soltos, aparentemente desconexos, que vez por outra se encontram e
se encaixam. Outras não.
Às vezes, se encaixam apenas temporariamente. No rápido
espaço entre uma estação e outra. Ou apenas na espera de chegar a próxima
parada para descer correndo sem olhar para trás. Como se a natureza de um
pudesse interferir na natureza de outro pelo simples motivo de coexistirem. Como
se não fosse possível separar o amontoado emocional que compõe cada um de nós
dos aglomerados alheios. Por amor, a vida se torna permeável. Perigosamente permeável.
E do que era um movimento para subir a estrada, parece
repentinamente levá-lo para o outro lado, a outra margem, um outro rumo,
desconhecido, desacordado. Eu não sei se é exatamente isso que procuro quando
encontro alguém em quem fiar-me, e unir-me. Um rumo desconhecido, uma proposta
não pensada antes, um ritmo diferente. Ou se procuro alguém que possa me apoiar
nas minhas escolhas, certas ou erradas, não importa, apoiar minhas decisões,
acompanhar-me nos meus caminhos.
Parece que, sempre que quis de um jeito, encontrei alguém
com expectativas no outro jeito. Mas não é verdade. Por um determinado tempo –
que pode ter durado anos ou dias – caminhamos, sim, juntos em conexão. Numa comunhão
espontânea de intenções. Numa alegria incontrolável de estar junto. Ou, ao
menos, de fazer junto. Ou ainda, de ser reconhecido fazendo através do olhar do
outro. Nesse istmo de tempo, o tempo não existe. A vida toma uma proporção
assustadoramente grande. Tudo o mais que poderia atrapalhar, impedir, ou negar,
diminui ou enfraquece. A emoção reconforta, alimenta e autorregenera.
E, dado que é vivo, um instante se precipita em morrer. Alguns,
como a genética generosa de poucos, não chegam a agonizar. Outros, declinam em
busca de bengalas, muletas, aparelhos até que alguém decida por desligar tudo.
Conheço muitos relacionamentos longevos, sinceramente
duradouros, persistentemente tranquilos. As divergências existem, mas existe
uma compaixão pela diferença. Cada um tem um ritmo, mas a dança é perfeita no
resultado final. Ou as semelhanças são tão síncronas que o restante se torna
supérfluo. São universos que muitas vezes passaram por buracos negros e
sobreviveram, como um milagre. Uma forma de comprovar a existência de deus. Sim.
Claro. Se duas pessoas convivem amorosamente no mesmo espaço por um longo
período de tempo, seja em tempos do cólera ou da abastança, seja para a felicidade
recíproca ou para a proteção de uma prole, então, deus existe.
Conheci deus em diversos momentos da minha vida. E ele se
mostrou em tantas facetas, majestosas ou pedintes, que não posso nunca
acreditar que estou nisso sozinha. Não posso imaginar que os desafios se apresentem
apenas para me testar, o que seria frugal demais para valer a vida que está
envolvida. Não. A minha busca é uma fé total na certeza de que pessoas – mesmo as
mais complexas, as mais rebuscadas e as mais simples – elas querem se unir numa
vontade maior alheia à sua própria, numa dimensão maior que a sua. O que elas
esperam é uma vida mais rica, mais alguma coisa. E não menos.
Embora um relacionamento não seja uma aritmética simples, o
resultado “menos” não pode ser aceito, porque isso expressará que as pessoas
preferem esvaziar suas vidas a ter que procurar novos significados. A vida a
dois deve ser mais, simples e mais, flexível e mais, apaixonante, apaziguadora,
devotada. Dois é mais que um, embora não seja possível comparação. Embora o cada um mantenha seu próprio valor, sua
própria luz e sua própria vida.
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