Quantos caminhos podemos seguir apenas vivendo... tantos, tantos, uns de pedra, outros de terra, uns tem vista para o mar, outros para a montanha. Quantos passos em linha reta para quantos subindo um morro. E de quantas formas podemos caminhar por esses tantos caminhos. Alguns exigem calçado, outros precisam ser descalços, alguns ainda precisam da ajuda da mão, agarrar num galho do barranco para subir um degrau, ou descer escorregando para não cair. E as trilhas? E os desvios? meu deus...
Olho para o céu e vejo que daqui não posso ver a estrela polar. Para onde seguir? Para onde ir? eu, que já saí de casa há muito tempo, muito tempo na estrada. Fui me procurar, sapatos empoeirados com o pó de todos os lugares por que passei. Deixando no rastro um pouco do pó que trazia antes. E por todos os pontos que fui e deixei, nada me prendeu, nada me fixou. Mas estou aqui agora, olhando o horizonte conhecido, reconhecido, o tempo que deixei de ter. Eu vim em busca do tempo e não tenho mais. Vou me embora. Vou atrás do vento norte, quente.
Balança os meus cabelos um pouco a brisa fria da noite. Esse rio não corre para o mar, não aqui onde começa. Segue para dentro, para o sertão, engrossando o caldo de águas claras que não alimenta, mas sacia. Nessa época do ano ele corre frio, cheio de pedras e espumante. Carrega meu olhar cheio de dúvidas e de ansiedade para dentro das curvas e quedas que serpenteia pelo seu rumo. Sigo sua direção? No final todos os rios seguem para o mar, cedo ou tarde. Um mar grande ou mar pequeno, não importa. Faço mais em ir embora do que ficar a olhar a esmo.
Nada me prende aqui. Nem os pássaros que cantam alegres e voam em vai-e-vem incansável. Nem a renda das copas das árvores desenhando o pôr-do-sol, nem o aceno sincero das pessoas que passam por mim na calçada. Tudo é temporário, passageiro; a vida é um caminho, e não um destino. E assim como me preparo para seguir em frente, abro a janela para a luz e para o frio de fora, para me deixar sentir, inteira.
Vim porque aqui era o paraíso, mas vivi o inferno interminável. Se não acaba, sou eu que acabo com ele. Porque demorei tanto tempo para entender que não precisava viver isso? Eu nunca vou saber, talvez. Mas aprendi que tem pessoas certas e pessoas erradas com quem viver. Pessoas certas incitam, estimulam, instigam. Pessoas erradas deprimem, espremem, usam. Saber escolher passa também por saber não se deixar usar. Eu sei, fui sozinha ao inferno, ninguém me obrigou. O inferno fui eu. Saí de lá fugida, jogando a chave por baixo da porta. Mas meus pés ainda carregam as cinzas em que me transformei por tanto tempo.
O paraíso sou eu. Aonde levar minha paz para voar, lá será meu paraíso. Onde possa comer todas as maçãs que brilharem seu vermelho arriscado sem medo da vergonha por vir. Não há o que temer quando a paz acompanha nossos passos. Meu sonho de tranqüilidade, meu deus, meu sonho de harmonia, de bem-estar, onde me instalo novamente? Tudo que já vivi teve a importância de me fazer crescer. Mas por que quero tanto esquecer que fui ao inferno andando e não saí de lá mesmo quando já ardia a brasa fria do desamor? Por que ainda não me livrei dessa lembrança pesada, que cansa só de pensar, do qual morreria para esquecer? Por que me persegue, eu que nunca vendi minha alma? Como me livrar dessa sombra pegajosa que tem cheiro de mofo e gruda na roupa feito espinho do mato? O que me prende num tempo de espera eterna? Cansei de tentar entender. Agora só vou partir. A vida vale pelos passos que se dá e pelo que o olhar consegue tocar.
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