Fico pensando que um bom dia para um casamento perfeito é o
dia dezoito de maio: dia internacional da luta antimanicomial. Claro. Porque,
se a loucura é branda, criativa e brilhante deve ser livre, correr solta pelas
ruas, deixar-se ser vista além das sacadas, das janelas e portas dos
relacionamentos. E se a loucura é atormentada, deslumbrada e descompromissada,
deve ser despejada, aberta a porta para que alce voo, perca o chão e se deixe
ir, partir, perder-se.
Não existe razão para ficar amontoando emoções desconexas e
fragmentárias dentro de casa. O peito é um lugar para aconchegar e não para
entulhar. Não basta abrir os braços e aceitar o contato de outro coração
apertando o seu. Tem que ser um abraço sem nós, poucos rodeios e nenhuma
mentira. Quantos foram os pousos forçados porque o trem não baixava!
Muito melhor a loucura que solta pipas em plena
segunda-feira. Que se regozija de ter perdido a hora. Que não sabe de que lado
da cama está. E que, por alguns segundos, ao abrir os olhos na claridade da
manhã, ainda sente o gosto da primeira noite, do primeiro beijo, do primeiro
olhar cúmplice que forjou sem pensar, espontâneo quando todos indicavam
cautela, alegre quando tudo apontava esquecer.
O sorriso é uma cura até para a loucura descabida. Para a
necessidade de pular sem paraquedas que dá às vezes de estar tanto tempo no ar,
sem vinco. O risco iminente de romper fronteiras erguidas para a proteção. Uma cura
para o suicídio que é atrelar sua locomotiva a foguetes apontados para o vazio
do céu. O céu, antes um alvo óbvio, agora descalabro. Antes um sonho lindo,
agora um fundo vazado pronto para o teatro dos movimentos vãos.
A felicidade talvez seja a cura e não o remédio. A felicidade
de poder olhar para frente e entender-se na realidade que se descortina. A felicidade
de se saber no seu lugar, mesmo que provisório, temporário. O tempo que passa
não existe na loucura, fascinante como um cometa, efêmero como a calda. Há que
experimentar o gosto amargo de ter pulado pela janela, da ponte, de cima de sua
própria visão de mundo. O gosto de ter ido além do que seria plausível,
aceitável.
Mas quem quer ser apenas aceitável? Quem aceita ser apenas
eficiente? O mundo urge por aqueles que rompem barreiras, não param no
semáforo, correm pelas ruas pensando ser corcéis em prados livres. E depois,
quando tomados pela loucura que é o próximo passo, tentam vencer a si mesmos, identificando-se
com os destroços ao invés de se reconhecer outro, plural e simples.
Essa loucura que não encontra espelhos, engrandecida,
divinizada, que não encontra limites no gesto ao ponto de inventar outro nome
para o egoísmo. Loucura desconstruída, desfacelada, desfragmentada, remendada
para erguer-se nos saltos, borrada nas faces falsamente coradas. Essa que faz
sorriso perene no rosto de gesso, não me ínsita.
Não. Essa loucura forjada de sucesso, brilhante, sistêmica
não me interessa definitivamente. Venha assim, com sua loucura cheia de terra e
raízes. Essa sua loucura perfumada das flores do caminho, dos barrancos, dos
traços soltos e torcidos como galhos do cerrado. Venha a mim assim no sorriso
encantado dos duendes, dos elfos, os cabelos enredados de cores e cachos. Venha
assim mesmo, como quem acabou de acordar, menina. Então, de todas as loucuras,
case-se comigo.
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