segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O invisível e o indizível



Não só a beleza que meus olhos veem me apaixona. Apaixono-me também pelo vento que balança os cabelos, fresco e solto. Pela música, que desalinha os pensamentos. O som do atabaque rebatendo o coração me apaixona. E assim tudo o mais me faz sorrir. Sorrir sem pensar porque o gato pulou, ou porque a folha caiu, ou porque nada aconteceu. Silêncio. Invisível. A respiração imperceptível. E eu sorrio. A mente aquietou-se e o sorriso é um voo plácido.


Sorrir é o gesto mais natural que existe. O resto é apenas psicológico. O mundo é psicológico. Real só o sorriso. Ele contamina todos os sentidos, faz os olhos sorrirem. Faz perfume no ar, um perfume que reporta um dia mágico, um encontro místico, um momento na eternidade. A pele arrepia, arrepia o estômago e os pulmões. E a música? Sim, a música. E o que vem com ela, os passos de uma só dança. 


A paixão também enfeita o sorriso. Torna tudo risível e enfeitiçado. A dor é suportável, a tristeza um mito, e por fim, a vida toma um sentido único. Fecham-se portas, abrem-se bocas, o olhar espanta-se e o mundo continua girando sem voltar ao mesmo ponto. Tudo é novo, até o de sempre. Não há o que temer na rotina, os ciclos se completam. Não há que tremer o fim.


Apaixonar-se é acreditar profundamente sem o viés da dúvida, sem inquietação. Palpitação no lugar de pressão. E ritmo, muito ritmo. A vida é um entender o ritmo, mas não um entender assim, de cabeça. Entender pegando, pulsando. A nota afinada e certa. O mergulho que leva mais longe num silêncio só.


Quando se está só dentro do ritmo da vida, não se está só. É uma comunhão. Tudo faz parte, tudo ri como os regatos correndo soltos, riso maroto. A paixão embeleza até a sombra, até o vazio de um palco, ou o oco da mão. É uma droga sem dia seguinte, porque a paixão é presente. Um gerúndio que se estende elástico para além do precipício. A beira do lábio que está prestes a dizer, instantes antes do som, vontade pura.


Sim, apaixono-me pelo que não vejo, pelo que está dentro, verdadeiro. Pelo que não vejo em seu peito quando olho intensamente para ele. Quando não vejo senão um sol que me ofusca e me embaça o olhar. O sol, uma nota musical, poema indizível, a voz que conta o filme, o toque do dedo de deus. 

Apaixonar-se é ser tocado pelo deus em pleno voo. Chuva de tempestade, com relâmpagos e estrondos. Embalando sonhos em dia alto. Assim, o horizonte que nos separa nos une pelo olhar. Seus sonhos são minha morada e meu desejo é teu luar. Toca a flauta transversal do peito, e deixa o som entrar. 


A paixão que me toma faz renascer o dia antes que ele se finde. E antes que ele se finde, conto minha história no canto da sala. Quase doce. Quasar rosa. Minha mão na sua levemente. Leve-me. Nuvem de um amor que se reparte em arco-íris. Apaixono-me pelo não há. E me recrio.

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