Jean-Paul Sartre pôs um fim aos por quês da vida quando
eliminou deus. Por que nascer? Por que sentir? Por que estar com alguém? Por
que pensar? Por que a insatisfação? Por que a vida? Por quê? Para ela não. Como
uma criança que olha a vida com a estranheza de quem vê pela primeira vez, ela
se perguntava o tempo todo: por quê?
Os antropólogos especulam que, talvez, o fato do homem ter
se domesticado criou certas condições e complexidades que acabaram por levá-lo
a desenvolver técnicas e a aumentar seu cérebro. Ou talvez ainda, tenha sido o
contrário, segundo outros. Por que deixar de ser nômade? Por que escrever? Por
que inventar códigos e dar nomes a tudo? Para ela, a vida pensada e a vivida,
duas realidades da mesma coisa. Duas dimensões da mesma realidade. A vida se
chocando com os significados. Ou os significados criando vida.
Ela se debruçava na janela, até onde a vidraça deixava.
Olhava a árvore, e seu olhar era como subir em seus galhos, deixar-se sob sua
sombra, ouvir o vento passando invisível por suas folhas. Apenas olhava pela
janela. O mundo era uma televisão desatinada e sem controle remoto passando
ininterruptamente um programa em cada canal. Não tinha escolha. Mas tinha
opções.
Um dia, tomou uma decisão. Abriu a janela. Esticou o pescoço
para além dos limites envidraçados e sublimes de sua vida. Um cheiro de
alecrim, poeira e frio tomou-lhe os pensamentos. E assim foi assomando o resto
do corpo até estar meio para fora meio para dentro. Fora, uma borboleta passou.
Por dentro, um arrepio. Uma perna, outra perna, sentou no parapeito e se jogou.
Impulsionou o corpo num balanço desequilibrado e forte o suficiente para ir
parar no chão, do outro lado.
Tudo formigava. A claridade, a brisa fria, a janela que
ficara para trás. Ficou imóvel, invisível, olhou em volta. Acertou o vestido.
Arrumou o cabelo. Tentou ouvir. Apenas sua respiração interrompendo o fluxo de
pensamentos. Uma mistura de corpo e alma. Onde um e onde a outra? O mundo girou
na volta de sua cabeça. Uma miríade de verdes e o silêncio. “para onde vou?”,
perguntou-se. E enquanto se perguntava, deu seu primeiro passo rumo ao vazio.
“eu não sei nada”.
Existem indícios de que algumas das grandes descobertas do
homem foram acidentais. E o que há mais para se descobrir? Tudo já foi dito ou
pensado. Tudo já foi feito ou espera por ser. Ela insistindo em encontrar um
caminho no descuido do jardim, o quintal cercado de arame e verde. O verde lhe enjoou. Sentiu vertigem. Pensou
que ia cair, perder os sentidos, pensou que entendia. Pensou enquanto caía, o
rosto precipitadamente no verde da grama. De repente, olhava o mundo de bem
perto. Tanto, que não via mais nada.
Ela, enfiada na grama verde e úmida, foi se levantando
lentamente. Quem era? O que fazia? Não, nenhuma pergunta. Nenhuma dúvida.
Nenhuma certeza também, o olhar bobo, perdido. “o meu sentido da vida é seguir
em frente.” Silêncio de mar profundo. A mente silenciara. O tempo parara.
Talvez uma nuvem, talvez o coração. Deus, mas talvez deus não exista mais.
Qual terá sido a maior invenção do homem? Sim, deus e toda a
cosmogonia a que pertence. A árvore da vida, o paraíso, os anjos e o haver
sentido para vida. A invenção da massa de modelar e o sopro de vida. O toque
que conecta com o infinito, o invisível e o inquebrantável. E o amor, a maior
entre as maiores invenções. Com ele é possível viver diferenças impossíveis,
rir da dor e da auto piedade – ainda assim, sem rir da brutalidade ou miséria.
A miséria porque não é culpa de ninguém, mas responsabilidade de todos, e a
brutalidade porque é inadmissível. O amor apazígua.
Seja o homem criatura ou criação, ela, transposta a dimensão
entre a realidade que conhecera da janela e a que passara a ser em sua pele,
ela aprumou os ombros e sentiu mais conforto no andar. Passou batom nos lábios
e sorriu (passou batom porque adorava deixar a marca de seu carinho no caminho
de suas intenções). Atravessou a rua sem olhar para trás. Soltou os cabelos e a
voz. Cantarolando, foi refazendo a linha do horizonte no pôr-do-sol.
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