sábado, 16 de fevereiro de 2013

E se Deus não existir mais?



E se não houver mais deus? Não se trata, portanto, do fim do mundo, mas do fim de deus.  Ele se foi. Deixou tudo, desapegou-se de sua cria. Foi criar outro universo, outra possibilidade, outro estado de coisas. Deus acabou.

Não há mais para quem dedicar preces. Não existem mais soluções ou possibilidades mágicas. Não se pode mais se apoiar num mundo paralelo, maior e mais inteligente, que se comove com nossas desventuras e interfere abrandando tudo. 

Não mais o conformar-se de que o melhor aconteceu, mesmo quando ruim. Ao invés disso, um entender adocicado e ácido de que nem tudo é como se deseja. E o desejo, que é o desejo? Um vazio que precisa ser preenchido, um buraco negro tragando tudo à sua volta, ou uma percepção de que há necessidade de um gesto, a vida precisa se mover, seguir, unir uma nota na outra, um dedo no outro, sílaba com sílaba. Deus não está mais lá para costurar, remendar, decifrar, desatar.

Nada de pequenas justificativas para os grandes fracassos. Deixar de correr atrás de um sonho porque é tarde demais, porque é cedo demais, porque está cansado demais, porque tem tempo demais, porque é demais para si o seu próprio sonho. Nada do grande conforto de haver alguém para culpar, alguém a interpelar no destino e fazer dele um rio correndo sem sentido na direção do mar. Por que o mar? Por que não a montanha? 

Amanhã, acordar para ver o céu azul e tomar café sem dar graças a deus. As sementes irão germinar, algumas vão morrer. Os pássaros vão nascer em cima das árvores, alguns não voarão. Borboletas no quintal, flores no jardim, vacas pastando solenemente além das janelas e do olhar. Toda a inteligência seguirá viva porque a inteligência só faz sentido para a vida independente, não para que haja um pastor para velar insone por sua segurança.
Para minhas dores mais difíceis de declarar haverá um remédio que terei de admitir. Para suas incertezas mais ásperas e desesperadas haverá um tempero delicado para adocicar ainda que não seja a resposta. Para a solidão, uma mão que puxa o cobertor e aquece. Para a velhice, sim, para todo aquele que atinge a linha de chegada, o lugar entre os vitoriosos. Nenhuma saída, no entanto, que venha misteriosamente de um protetor justiceiro e dadivoso que nutra sem explicar, ou que interfira no curso das coisas como se fosse o dono. 

Estenda a mão se quiser alcançar, não espere. Cumpra o seu percurso correndo seus próprios riscos. Acredite, no entanto. Porque acreditar é como comer, é como se saciar de água, como dormir, e voltar a comer. E como fazer sexo. Acreditar é o prazer que só a alegria pode fazer. Para crer é preciso ter-se a alegre e leve certeza no próprio poder. Do poder em si. De poder por si.

Pronto. Deus não existe mais. O centro de um mundo melhor sou eu. As possibilidades de tudo dar certo, eu. Não um eu magnânimo e supremo que está acima do bem e do mal. Mas um eu superior-irmão do seu eu superior. Não o gigantismo das verdades absolutas, mas da verdade amorosa e inclusiva que aceita todas as demais verdades. O superior que abraça, aceita, respeita, e não da indiferença e secura dos que se sentem escolhidos e merecedores. Mas isso é deus? Então, de agora em diante, eu sou deus.

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