Será que posso deitar no seu colo como quem deita na relva e relaxar por um segundo, olhando vagamente para o céu, para o vazio sem fim da paisagem, para tudo que não sou eu? Será que posso largar o corpo do instante intencionado e assim planar solto no ar que nada sustenta a não ser minhas asas tortas em desvelado movimento? Eu queria apenas me largar um pouco, solto de nós, sem laços que me prendam enquanto tudo passa, passa depressa, passa sem pressa, mas passa sempre. E assim voltar a ter tempo. Porque o tempo que perdi é aquele que não traz nada, não faz nada, que não manda notícias nem manda lembranças. O tempo que a idade não conta, que, vento da vida, sopra antes de bater. Agora tenho calma. A calma que nunca sonhei e nunca desejei, eu, que queria a paixão, os sobressaltos do coração, as surpresas que o outro pode dar quando quer também.
Relaxar só um segundo, o segundo que cai chuva morna no final do dia, levantando o cheiro de terra molhada. Segundo infinito que dura o tempo que dura uma recordação. Não, o tempo não existe quando é possível parar e deitar confiante olhando para o céu. E falar verdades difíceis, difíceis palavras, significados distantes daqueles diários e rotineiros, falar das dores e dos ardores, falar, ouvir, cantar. Porque o canto que a poesia faz, na chuva ou na falta dela, molha o rosto cansado e renova as forças dos braços e pernas. Quero me deitar no seu colo para me recuperar de quem fui.
Você, enfim, pode se desvanecer a qualquer momento, pode virar apenas um perfume no ar, que inebria, mas não dura. E assim, vou saber que um dia descansei em seus braços, num dia em que a Terra parou antes do entardecer. Brilho dourado no horizonte, meu sorriso esmaecido de pôr-do-sol, pele exalando sândalo, canela. Vou saber que na vida dos sentidos todos que procurei encontrei um dia a paz, em mim, enfim.
E depois, sim, depois, venham as tempestades e todas as tormentas, subam as ondas dos mares que não naveguei, recubram de areia as pegadas que deixei leves ou trôpegas, desapareça a ânsia de querer tudo e de viver tudo de todas as maneiras. Terei sido naquele instante o vôo perfeito, o ovo perfeito, o perfeito entendimento.
Já fui selvagem e indomável, corri de todo para sempre que resvalei, amarrei minhas cordas nas estrelas cadentes cansadas de brilhar e de ser olhadas, que caíram em terra para semear a luz. E então, amansando como a um cavalo baio, fui me entornando em pássaro. Agora, a caminho do verão, tenho ainda tempo para deitar no seu colo, de silenciar o canto último antes da partida. Apenas isso. Pode vir o novo amanhecer.
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