sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

De um dia para outro

De um dia para outro, tudo mudou. Mudou a direção do vento, que antes era frio e vinha do sul, mudaram as estrelas como se a Terra tivesse girado um pouco mais para lá. Mudou meu olhar, antes perdido no horizonte à espera do quê nem sei. Mudou minha cabeça que era triste e passou a brilhar como a lua nas noites que tem lua. Tudo mudou tão fácil e rápido que pensei que era eu a mudar, que era eu a sentir diferente, que era eu.

Não era. O mundo inteiro virou uns 45 graus para a direita, pouco mas muito para quem já estava até acostumada a ver as coisas tendo que entortar a cabeça. A gente se acostuma muito fácil mesmo com aquilo que fica machucando. Acostumar, aliás, é tão simples que basta encostar-se na cadeira e ficar sentado o resto da vida numa boa, só se acostumando, se acostumando.

Então, quando tudo mudou e eu nem reconheci mais meus olhos tristes no olhar brilhante e sorridente que se me abria ao espelho, quando tudo se abriu como uma caixa de surpresas e novidades dessas que ambulantes não vendem mais, quando tudo mudou à minha volta eu entrei em êxtase. Conectei-me com deus imediatamente numa conexão com o rio de corredeira que passa pela minha cidade, com as formigas que sobem enfileiradas os galhos das árvores num movimento tumultuado e organizado ao mesmo tempo, indo e vindo com folhas; conectei-me com deus pela presença das pessoas que contatei diretamente num instantâneo quase fotográfico, um flash. Minha foto deve estar sendo enviada agora no universo paralelo.

Mudou tudo. Nada ficou no lugar e tudo ficou mais lindo. Parece que o rio num único movimento levou todo o entulho preso nas suas curvas, levou tudo que lhe prendia pelas encostas, e num único cair pelas pedras, jogou tudo que sobrava e atrapalhava cachoeira abaixo. Minha vida nesse turbilhão ora dentro da água, ora fora, escorrendo vertiginosamente nas margens antes estreitas do rio, foi se transformando em outra vida, numa vida que nunca havia sonhado ou buscado. Sim, existe vida depois da vida. Eu testemunho.

Agora, as noites são calmas cheias de vento. As árvores são verdes e floridas com o perfume que toda mata tem. Dá para caminhar no escuro sem medo. Dá para seguir o caminho tornado espaçoso a ponto de caber outros caminhantes, outros como eu que seguem o rumo que o coração traçou, errando, é verdade, mas acertando também e gostando, acima de tudo, gostando, amando apaixonadamente a vida que é possível e impossível, que o braço nem sempre alcança, que, muitas vezes, nem o olhar alcança. Essa vida cujo avesso é mais aconchegante que o lado certo, virada assim, mudada assim, foi um presente. E de tudo que pude entender de tudo mudar assim, o que ficou para mim é um grato, enorme sorriso, completamente confiante e entregue.

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