Sou a indisciplina. Repetir para mim, seja uma frase, a
sobremesa ou o caminho, me mortifica. Não faço duas vezes a mesma coisa com o
mesmo empenho ou determinação. Gosto do vário, do múltiplo, do incerto. Não,
nada de andar sobre o fio esticado no precipício. Nada de riscos
desnecessários. Mas a aventura de ver um perfil novo a cada pôr-do-sol, uma
nova cor no arco-íris, uma outra linha da mão.
Porque o que fazer daquilo que é sabido? Melhor o que não
sei, pois me surpreenderá um momento. Melhor o que não vejo, pois me ofuscará
quando enfim me deparar. O mundo sob o mundo visível, sem sinais, sem trilhas
ou bússolas, esse é o que quero viver. Aquele que já transformei em traçado, em
gato manso deitado, em palavras que sei o significado, não, não me interessa.
O vento. O rio que corre. O mar que explode. Todo o
movimento que transgride a si próprio e o tempo. Essas e outras coisas
insuspeitas, que levam mais além, é o que procuro. Aceito o não, o talvez,
aceito perder, esquecer, temer. Só não suporto teimar no mesmo lugar até que a
noite venha e venha o sol depois. Não posso ser a mesma pessoa ao amanhecer todo
novo dia.
Por enquanto, faço muitas pegadas indo e vindo incansável.
Faço perguntas, faço caso de respostas inseguras. E balanço um pouco para os
lados na espera impaciente que o silêncio demora. Mas um momento aprenderei a
economia do movimento. Aprenderei a esperar sem me cansar. E a ir embora quando
já for a hora. De ouvir dizer o vento em murmúrio, reconhecerei que não há nada
além do que meus olhos veem ou meus sentidos experimentam. Antena pineal acesa.
Porque a vontade nada tem de excitante se não trouxer em si
um risco. O risco de ser feliz, de andar no sobe e desce dos humores sem perder
o seu próprio. Sem escorregar na beira, comer frio, perder o sono. A vontade
que tira você de querer ter uma rede embaixo. E que faz gemer de prazer de
lembrar o prazer. Sonhar é bom, mas é a procura da perfeição que a vida não é. Prefiro
o tremor do fascínio e medo de não saber quando, de não ter certeza, de admitir
querer. Administrar a frustração é melhor do que não ter tentado. Mesmo se for
um erro.
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