Quanto a mim, não alimente ilusões a meu respeito. Sou daqueles
humanos exagerados na paixão e apaixonados na vida. Transbordando, sou grande,
espaçosa e feliz. Vazia, sou poesia. E nos outros momentos, entre uma coisa e
outra, eu quero muito.
A paixão se renova a cada paixão, como as ondas do mar. Subindo
e descendo, levando e trazendo. Quem, como eu, se alimenta de paixão passa fome
às vezes. Mas nunca come frio. Move-se entre chamas, os pés na brasa, as asas
batendo aumentando o fogo. Nunca ocupando muito espaço na hora que está
presente. E jamais deixando vago quando distante. Por isso, faço da paixão a
lenha para minha vida. E deixo o vento apagar o rastro de cinza inevitável.
Não alimente ilusões porque sou pouco provável. Voo na hora
do abraço e despeço-me no encontro. Gargalho durante o concerto quando tocada,
profunda. Já preferi o sonho, a quimera e o impossível. Hoje procuro a vida que
se concretiza ereta apesar da gravidade, que flexiona ainda que certa, e, acima
de tudo, a vida que se propõe aberta, quem sabe, ao amor, ao risco, ou à própria
ilusão.
Porque viver é cheio de ilusões, acertos e riscos. Tudo pode
dar certo. Ou não. E mesmo quando não dá, é o que deveria ser. A certeza de
viver é a inconstância das emoções que podem se sobrepor, ora querendo muito,
ora partindo cedo. A vida na intensidade de um instante de pleno prazer e
depois passando.
Tudo passa e tudo acaba. Finda o dia com o pôr do sol. Finda
a lua cheia com a minguante. Finda a vida a qualquer momento. E assim o amor.
Será? Morrerá o amor com todas as flores que ele traz hoje? Morrerá depois de
tantas promessas, gargalhadas e lágrimas, olhares sinceros e beijos sem fim? Amor
morre, por fim?
Se o amor é qualidade da alma, ele também deve ser imortal. Deve ultrapassar
os limites da vida cotidiana, de amanheceres com café perfumado e pão
quentinho, de banhos abraçados, e presentes do destino. E se reencontrar em
outra vida, em outro olhar, no momento certo em que chega o bilhete para a viagem
prometida.
Eu me prometi você. Esperei. Distraí. Disfarcei. Agora que
eu ganhei meu presente, posso abrir um sorriso para o universo saber que o amor
não tem duração, não tem tempo, não tem fim. Começa quando encontra. E encontra
quando nem procurava. Meu amor apenas estava apartado do seu até o dia que se
lembraram de si mesmos feitos um só. Então, como a flor que se abre para o sol,
ou a chuva que alimenta a raiz, invisíveis nos fios que se unem, nos abraçamos.
Posso sentir seu sorriso e ouvir seu coração. E você saberá
de mim quando nem mesmo eu saberei onde estou. No mais, fazemos declarações de
amor sem palavra, e nos regozijamos da presença quente, vibrante, com apenas um
olhar casual. Estou em você e você em mim. Meu sangue batendo em seu peito, no
calor da pele que se deseja. Não procuro seu amor, não preciso dele. Seu amor
sou eu.
E quando tudo o mais falhar ou já não houver, quando tiver
sede ou faltar calor, quando o abrigo não for possível, nem possível o colo, o
meu amor estará lá na sua casa, à sua espera. E você deve saber para não se
confundir nunca: é apenas parte do meu amor aquele que dedico a você. Na minha
vida continuarão existindo outros especiais como você que já passaram ou ainda
estão, outros amores, outras paixões. E, se o amor não tem tempo nem espaço
posto que é alma, é todo ele seu.
Ainda assim, não alimente ilusões. Alimente o amor que é
eterno, para além da vida e para além do rio que deságua no mar. Alimente a
certeza de que o perfume, seja ele azul como a lavanda, ou delicado como a
verbena, o perfume da vida é o mesmo em tudo que rescende amor para que possamos
nos reconhecer nele. Inteiro e sem tempo.
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