Não acredito que deus tenha colocado no meu campo duas traves e esteja
esperando eu acertar o gol. Antes, prefiro acreditar que ele não existe.
Com tanto espaço, com tantos lados pra eu poder seguir, ele não estaria
esperando que eu desistisse da liberdade por um possível prêmio do outro lado
da rede. Desistir de sonhar pra procurar acertar um desafio imposto. O
que me desafia de verdade é eu não me perder de mim, de me entender quem sou.
Se ao final eu descobrir que não sou mais do que um átmo de sua consciência ou
se me deparar com não haver um deus, agora não me importa.
Se ao final da vida eu perceber que apenas percorri um campo andando em
círculos para lugar nenhum, já terei sabido mais sobre mim do que sei hoje.
Porque o que sei é apenas a caminhada, o passo que dou. Hoje muito mais feliz
que antes, do que tudo, e isso faz sentido pra minha vida.
Não acredito na dor, no difícil, no estreito, na carência ou na
tristeza. Não acredito que seja preciso sofrer para merecer uma vida
melhor, depois. Depois quando? Quando a vida começa senão no agora? Eu não saio
de férias depois de trabalhar árduo e pesado. Minha alegria é cotidiana, leve e
quase rude. Quase rústica na demonstração de sua simplicidade. O que me traz
alegria? O vento fazendo arruaça nas folhas das árvores, os gatos deitados
sobre minhas pernas, haver vacas pastando do outro lado da cerca, amigos me
mandando notícias, mas também o fato de ter lidado com um desequilíbrio
emocional, ou de ter resolvido um problema operacional, ou de apenas ter tomado
consciência da falência possível da eficiência.
Não acredito na permanência da dor, ainda assim, vivo com profundidade
até mesmo a dor alheia, nas palavras expressas em um livro, no olhar que
procura apoio ou solidão, no silêncio sentido, na dor que não reclama ou na que
brada, eu sinto como se fosse no meu estômago, precisando represar o diafragma,
não controlando lágrimas nos meus olhos. A dor me maltrata mesmo que não seja
minha.
A felicidade ensina também. Ensina a agradecer, a aproveitar a
oportunidade que não causa nenhum dano a outrem, e, sobretudo, que o amor é a
supremacia absoluta dos sentimentos. Quem está feliz não cria confusão, não vai
fazer mal a ninguém. Simplesmente porque felicidade não é um estado do ego, que
se compraz pelo orgulho, vaidade. É um estado que se alimenta do amor,
dar(-se).
Esse dar-se é muito ambíguo e parece até abstrato, mas não. É um pouco
não fazer nada de vez em quando. Ficar olhando a chuva cair. Ler um livro ou
plantar uma muda. Escrever uma poesia. Sim. Escrever poesia – ou ler – é a
coisa mais inútil que alguém pode fazer, e por isso a mais bela. Não há beleza
senão no supérfluo, no vazio, no inútil. Beleza, ela mesma para nada.
Para haver espaço na vida para o belo, é preciso de vez em quando não
fazer nada. Não esperar nada. Não ter o que falar ou o que pensar. Um pouco do
silêncio que a música impõe (gentilmente). A vida carece desse elemento
feminino, hoje mais do que nunca.
Não há mais lugar para o lixo, não dá mais para continuar sujando a
água, contaminando sem limites. A eficiência do mundo moderno está entupindo os
rios, destruindo florestas, poluindo mares. O sucesso de alguns põe em risco a
vida do planeta, e a atual ordem econômica é mais excludente do que já foi em
toda a história desse homo sapiens – apenas porque hoje temos tempo para
entender a falácia do modelo. O tempo é o principal inimigo da ordem
estabelecida porque permite reflexão, contemplação, consciência. E é por esse
mesmo motivo que os mantenedores do status
quo vivem declarando em alto e bom tom que o mundo não pára, que não se
perca tempo (parando, pensando, sentindo).
Hoje eu não estou disposta mais a jogar esse jogo com traves e tempo
marcado. Hoje quero a liberdade de tempo. Eu quero o enquanto. O encanto.
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