As
bruxas estão de volta. Agora voando soltas e leves pelas aldeias físicas e
virtuais. Isso mostra que as coisas andam mudando para o lado do feminino,
embora haja um nítido movimento de reatividade. É que o feminino,
diferentemente do masculino, não é contundente, não compete, não entrincheira
nem revida. Claro, o verdadeiro feminino. Mas era de se esperar que, depois de
tantos séculos de dominação patriarcal, fosse natural uma certa contaminação
desse padrão e que mesmo as mulheres assumissem o papel masculino para
conseguir certa projeção.
Sempre
me intrigou como é que esse padrão masculino era perpetuado se quem educa e
passa a ideologia dominante é a mãe, uma mulher. Cadê a bruxa? Como é que ela
não via que estava sendo usada para manter o status quo? Então, um dia, ouvi de uma amiga que, certa vez,
flagrou o marido passando a mão na empregada e, imediatamente, mandou embora a
moça. Fiquei intrigada: por que a moça e não o marido? Independente da reação
dela, se aceitou ou não, foi ele que tomou a atitude. Mas a ideologia
patriarcal declara que sempre, nessas circunstâncias, a mulher – e sobretudo a
mulher solteira – é responsável pelos descalabros do homem macho. Sim, porque
macho que é macho não pode perder uma oportunidade de mostrar quem domina.
Comecei
a entender. É essa a forma de manter todas as mulheres sob o regime patriarcal:
colocando-as umas contra as outras. É verdade que bruxas e núcleos familiares
fortemente matriarcais protegem suas mulheres. Mas somente as suas. Qualquer
outra que se aproxime é um risco, representa um perigo, é desarmoniosa,
desagregadora. E assim, essas mulheres, umas contra as outras, olham-se com
desconfiança. Elas vêm roubar seus maridos e filhos. Elas seduzem, articulam,
manipulam.
O
pior é a figura masculina desse desenho: ou um grande tonto ingênuo, ou um
grande palerma, no final e no mesmo, infantilizado, que não sabe ou não pode ou
não quer resistir aos encantos sedutores dessas megeras, que em outros tempos
também eram chamadas de bruxas. Assim, colocando os homens na posição de
vítimas, precisando de proteção que só mulheres conseguem dar, invertendo os
papeis, o patriarcado coloca a mulher como salvadora e algoz de si mesma. Ao
invés de reconhecer o aprisionamento de um tal papel, ela se vê atacando outra
igual.
Não
é que o machismo é perpetuado espontaneamente pelas mulheres – embora algumas o
façam para obter vantagens, como, aliás, muitas pessoas em geral fazem – mas é
o que resulta quando uma mulher põe a culpa em outra pela infantilidade dos
homens. Sempre que você souber de um homem casado que se envolveu com outra
mulher saberá que a culpa é dela. Claro, ela é solteira, não tem nada a perder
e ele, que tem família, compromissos, responsabilidades, não pode resistir a
essa tentação.
O
que, talvez, as bruxas estejam descobrindo novamente é que sim, elas são tentadoras,
sim, são encantadoras e poderosas, podem sim, virar a cabeça de outra pessoa
porque dominam os sentidos, porque reinam no oculto, porque sentem além dos
axiomas, e pressentem os caminhos que devem seguir para atingir seus objetivos.
Mas também, talvez, estejam agora entendendo que não lidam com um tão frágil
homem.
Não
se trata de uma declaração de guerra. Apenas um reconhecimento de que o inimigo
não é outra mulher, mas uma ideologia profundamente arraigada na religião e nos
papeis desempenhados em sociedade, perpetuados pela invenção do casamento, do
sentimento de propriedade que se estende às pessoas da família e do entorno.
As
bruxas talvez deixem de ser queimadas em praça pública – como ainda são hoje em
dia – com a formação de novos núcleos familiares, sem a estrutura patriarcal,
sem a dependência financeira dos membros (a mulher trabalhar fora é uma falácia
financeira), sem propriedades (que foram a contrapartida mais evidente para
essas mulheres manterem o status quo).
Eu
anseio por um mundo em que Camilles Claudels não sejam trancafiadas em manicômios
apenas por manifestarem sua genialidade. E que tantas outras mantidas
discretamente anônimas possam brilhar para além de seu papel de mãe. Para além
de seu papel protetor e mantenedor. Para além dos limites impostos a todos os
cavalos selvagens que foram levados para domesticação, em redondéis cor de
rosa. As bruxas voltaram, e que voltem a ser apenas mulheres.
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