terça-feira, 31 de julho de 2012

Sentir é um vício


Pipoca. Com manteiga e pimenta. O salão cheio. Só um lugar lá em cima, no meio. Com licença. Com licença. Obrigada. Esse filme conta a história de uma coreógrafa, tem bailarinos dando depoimentos. Documentário. Lindo. Sensível. Lindo. Eu não assisti. Mas só a promessa de ver já me faz feliz. Abre um sorriso no rosto, ansioso. Eu me alimento de promessas. Promessa de ser, de acontecer, de ganhar, de tudo. E eu acredito em tudo. Quando desacredito, quase morro. Vou ao fundo do poço, rastejo na lama, não como, não bebo, não levanto da cama. Se acredito, tudo fica lindo. Acredito na sua intenção. Acredito na sua boa intenção.

O coração é acéfalo, claro. Porque precisaria pensar? Basta sentir. Sentir tudo de todas as maneiras, sentir como se a vida tivesse de fundo musical blues deliciosamente tocados e cantados, para dançar e esquecer-se dela, da vida. Porque pensar na vida é como se de repente, súbito feito tsunami, você sentisse a célula mínima que compõe sua nuca, bem onde o couro cabeludo se une à pele do pescoço, ela existe, toma consciência. Que diferença isso faz? Ela está lá, pulsando, tensionando, fazendo com que sua cabeça fique firme, olhando para frente, digna. É assim. É só.

O excesso de sensibilidade cria alguns problemas. Já tive rinite. Agora, bem tratada, ela é apenas uma grande sensibilidade aos aromas e cheiros do mundo. É bom mesmo quando é ruim. Tem pessoas que sensibilizam tanto com o entorno que choram de ver o outro chorar. Emocionam-se com coisas belas, com coisas feias, com coisa nenhuma. Parece que a fonte da água é ali, em seus olhos lacrimejantes a cada passo. Veem crianças sozinhas, choram. Veem aquele cãozinho pedinte, choram. Veem a propaganda de cartão de crédito, choram. Choram desesperadamente se ouvem uma poesia. Têm motivo? Não precisa ter. Aliás, não precisa nada, é um despejar-se de graça. É como ser um camaleão dos sentidos. 

Com sensibilidade dá para viver mais vidas que a sua própria. Dá para viver as perdas que não sofreu. E as vitórias que não conseguiu. Dá para entender os motivos de quem parte e para experimentar a dor de quem fica. Sente o enjoo da mulher grávida, a boca seca do ator no palco, o gosto amargo da culpa, o gesto desconsolado e vão de quem reconhece o erro, a voz que não sai no grito de adeus. O cheiro do vinho já é um gole. Imaginar a rosa é ganhá-la. O amanhã é uma angústia, ontem é um trem passando sem parar na estação. 

Tudo é transbordante de olhar. Intenso e extenso. Os ombros suportam o mundo e o mundo saboreia cada gota de saliva antes de sorver completamente. Cada gota de seu sangue quente e vermelho passa pelas veias de todo louco que lhe conta uma história. O ar que respira veio diretamente da boca de quem lhe dirige um olhar sôfrego, um olhar pedinte, lhe estende a mão úmida e fria, sem bolsos para esconder-se. E nada se lhe esconde. Vê o que há atrás da porta antes de entrar. Pressente a dor que acompanha o sorriso na mesa de jantar. Desnuda as faces compassivas por trás do gesto indiferente. 

São pessoas que mais parecem montanhas. Cordilheiras. Seguram a maresia e fazem chover em suas matas. Avistam de cima a tempestade se aproximando. Fazem de suas curvas a insanidade de haver tanto por sentir e expressar. Rolam poesias tóxicas, viciantes e grudentas, até que não haja mais o que dizer. O que você tem a dizer? Eu? Não, nada, não consigo, não sei, esqueci. Dizer? Meu deus, já me basta o que vivi de ser assim.

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