sexta-feira, 13 de julho de 2012

Comer e Gostar é só começar


Quanto a mim, se morrer porque meu coração parou, simplesmente, e alguém disser que foi por causa de excesso de manteiga, saibam todos que morri feliz. Sim, porque manteiga é tudo de bom. Veja que as melhores coisas da vida têm manteiga. Pipoca na manteiga, por favor, dispense o sabor artificial; margarina é uma ofensa, essas coisas ditas saudáveis, mas que você nem sabe como são feitas. Não me tire os ovos, diga o que quiser a respeito deles. Contanto que sejam caipiras de verdade, postos na roça, de galinha que cisca no quintal, não os rejeito de maneira alguma. Eles já foram vilões, já voltaram a ser bons, e toda essa confusão moderna sobre alimentos e o risco. Quando comida passa a ser risco é um sinal de que nos perdemos no caminho. E só o caminho da terra é aquele que nos remete às origens, às raízes, e esse é o caminho seguro. Embora eu já tenha ouvido falar que tem gente produzindo morangos com a distinção de que alguns morangos são para comer outros são para vender. E para vender, não é para comer? Bem, a modernidade é complexa. Tem fruta que nunca deveria ter ido parar na mesa, era para ser enfeite. Bonita, mas ordinária, bonita e sem gosto, ou pior, bonita e venenosa. E logo comer, que é uma das atividades com mais intimidade que fazemos em público, não é mesmo? Perdeu o significado sagrado do alimentar, fomentar, saciar para ser um ato mecânico, funcional, quase sem prazer.

Digo quase, pois ainda que seja funcional, ainda que você esteja vendo apenas uma necessidade fisiológica, comer tem a ver com gostar. Exceto quem está metido em uma dieta – olha aí o funcional, coitado – não dá para comer o que não gosta. Eu não consigo. Não engulo de jeito nenhum. E claro, o gosto é muito pessoal, mas não está ligado a uma vontade racional. Diga agora mesmo que você nunca mais vai gostar de chocolate. Ou nunca mais vai comer pimenta. Diga que não vai comer mais carne, mas não diga que é porque deixou de gostar. Não de repente. O gostar de comida é mais fiel que qualquer outro amor. Você leva tempo para deixar ou para passar a gostar. Vai se acostumando com a ideia, vai fazendo isso passo a passo. Ou você já não gostava e comia porque não sabia que podia dizer: não quero, não gosto. 

Ah, e tem coisa mais detestável do que você dizer que não gosta e alguém insistir que é bom? Alguém perguntando se você já experimentou? Parece que você é o único no mundo a não querer comer aquilo. Está certo, tem um milhão de gente no mundo que come frutos do mar, mas ninguém vai me convencer de que aquilo é bom. Aliás, hoje em dia ninguém me convence de que precisa comer qualquer tipo de coisa. Só aceito uma explicação: você gosta. Fim. É porque é rico nisso, supre aquilo, faz bem para tudo, pode dizer o que for. Quanta coisa já foi boa e hoje é ruim e amanhã vai voltar a ser boa? Cultura é cultura. É uma coisa que se cultiva. E o gosto é um cultivar diário. 

Por exemplo, hoje gosto de você, e se continuar alimentando esse sentimento, vou continuar gostando até o fim. Até que meu coração pare por causa da manteiga. Mas digamos que eu me magoe, e, muito pior, que me deixe fisgar por essa mágoa. Digamos que por esse motivo, porque não soube lidar com outro sentimento, contrário, eu deixe de alimentar aquele gostar. A cada dia vou fechando janelas e deixando escurecer esse lugar no coração que ainda bate. Um dia, acordo e não gosto mais. O que tinha aqui antes? Apenas ficou um lugar vazio e escuro no peito. Ai, ruim demais até para continuar pensando. Então, por esse motivo, é melhor gostar, cultivar, alimentar. É por isso que digo que alimento é uma coisa íntima: fala do interior indescritível dos nossos sentimentos. Fala de gostar.

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