quarta-feira, 25 de julho de 2012

Na Estrada


Vou entrando na estrada sem olhar para trás. O pé pesado pressiona o pedal cada vez mais. A velocidade hipnótica me prendendo o olhar. Ligo a música no carro. Alto. Desesperadamente alta. Do you wanna dance? sem parar sem parar sem parar, deixando um rastro de ritmo e vontade no ar que passa. O vento passando entra a quase me sufocar. Não freio, não paro, não espero. Não posso ficar: o olhar vidrado no horizonte que se estreita. Estou indo ou estou voltando? Eu quero ou obedeço? Perdida dentro de mim, piso ainda mais, corro ainda mais. 

Não é pressa. É uma falta de jeito. É uma falta de ar. É uma falta. De repente, sem ao menos entender, a velocidade me salva, se encarrega de não pensar o que não quero. Faz passar o tempo mais rápido, não vejo o rastro que faz meu desejo riscando o asfalto como arado em terra seca. Passo em voo rasante pelas horas que se perdem. Não vejo o passar, o radar, não vejo a distância que se forma como uma lagoa profunda, calma, um espelho retrovisor. 

Eu queria que um grito me salvasse, ao invés, a música me arrasta. Não toco a dor, nem sei se dói. Sei que preciso passar, passar rápido, cavar distância, levantar poeira, me perder na linha do horizonte. Minha boca seca. O olhar preso no vazio. Preciso de uma saída, de um sinal, de um sentido.  Preciso me libertar desse ímã que me mantém no mesmo lugar. Um poderoso ímã que não existe senão na minha atenção de segundo plano. Que não existe como deus não existe, como a gravidade, como a relatividade estonteante de uma emoção.

Procuro resgatar um encantamento que ficou na estrada quando eu transpusera antes. O encantamento que liberta, que sorri faceiro, que brinca mais comigo do que eu poderia esperar. Agora não espero. Se precisar, eu desvio. Eu reviro. Ultrapasso. Sigo no silêncio do peito apreensivo.  Um peito que quer demais. Eu quero demais. Quero mais um pouco além da vida. Quero mais um pouco do que tenho apenas para sentir a vida passar sem me acomodar. Um pouco mais, eu peço. Um pouco mais, eu peco. O excesso sim, a falta nunca.

Então, finalmente salva, a distância a esgarçar o sonho, saio da estrada e volto a sorrir por bobeira. Volto a ser leve, fácil, em ritmo de subida, a montanha espreitando no poente, ao alcance da mão, o olhar que voltou a ser meu. Diminuo o ritmo, o som, o batimento cardíaco. Qual é a realidade? Esse brilho que volta comigo como se conectasse na fonte ou a presença que separava, me separava, preso o gesto, o ar, preso no movimento por ser, preso na promessa de ser, quem sabe, um dia, talvez?

A montanha é uma certeza. O frio é uma certeza. Meus olhos veem e minha pele sente. E o que meu peito sente? Por ora, alegria estonteante. Uma bobeira alegre. Risadas sem motivo aparente. O que aparenta é o retorno. Mas o que movimenta é uma onda sem mar que iniciou sua jornada no que antes era uma praia calma. O rochedo em frente. O estrondo e espuma para todo lado, ainda não. Talvez depois. Talvez não. Hoje, depois da velocidade que me forçou as asas, sei o que é surfar na incerteza. A incerteza sou eu.

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