Eu passei por ela e não olhei. Não virei, não toquei a mão
dela inadvertidamente. Não cumprimentei, não olhei para trás, só passei. Não
puxei conversa, não perguntei sobre os periquitos na janela, não tentei nada
insólito, como falar do frio na montanha, nem qualquer clichê tipo que
surpresa. Não era surpresa. Eu saí de casa para isso. Eu sabia que aconteceria.
Sabia que nos encontraríamos. E na hora, bem, fui firme.
Não, não se trata de nenhuma promessa, não é timidez também –
ainda que eu seja, comprovadamente, meu deus, – nem sacrifício ou renúncia.
Afinal, me troquei, peguei o carro, desci a estrada, quase tarde da noite para
encontrá-la, encontrei e sequer olho para ela? Ainda assim, não foi sacrifício
algum. Fiquei feliz porque entendi a conexão. Havia uma conexão. Eu sabia que
encontraria. Eu sabia que deveria descer.
Então? Eu vi sem olhar. Senti sem falar. E minha alegria
imensa terá sido porque minha intuição estava certa? Ou porque pude estar assim
tão perto, tão perto a ponto de poder falar olá, a ponto de sentir o perfume,
sentir a onda de calor que faz uma pessoa quando passa bem perto de nós? Eu
olhei para frente, pisei com certeza a calçada do alheio. Caminhei como se
soubesse a direção. Eu, completamente sem noção. Discretamente no meu gesto
contido, sete ou oito na escala Richter, não deixei que meu desejo me
perturbasse ou enganasse.
Não, não, não. Sou muito sinestésica para ser platônica. Mas
é que não estou assim, vamos dizer, por acaso passando pela sua atmosfera. Sua
órbita já me capturou e estou apenas dando um tempo para corrigir a rota, para
evitar uma colisão, para não me perder. Se é que ainda tenho escolha. Estou
esperando um sinal.
Como são essas coisas, de ter um bilhete para um trem que
está atrasado. Ou de não ter o bilhete para o trem que chegou. Na dor que me
sufoca a garganta, me faz tirar o excesso de roupa de frio, respiro e aceno com
o bilhete para o taxi que está passando. É só dar tempo para que ele me veja e
pare. É só ter certeza de que ele me verá. É assim. É assim que são essas
coisas.
Não olhei também porque fechei os olhos. Fechei e me deixei
sentir a presença tensa e quente se aproximando. Terá me visto? Terá desviado?
Olhou? Sorriu? Quis dizer alguma coisa? Mas não dei tempo. Fui logo para casa.
Vim acender a fogueira para aquecer o quintal e ficar olhando hipnótica para a
labareda quente e vibrante. O fogo me liberta.
Você acha que foi medo? Mas foi coragem. Coragem de aceitar
em mim a vontade de não querer ser passageiro. De não querer me aventurar
apenas na noite silenciosa para encontrar qualquer companhia. Coragem de se
dizer que quer uma verdade. Uma vontade verdadeira, mais que desejo. Uma diferença
muito mais que um gesto. Anacrônico demais para esses tempos modernos e
ficantes? Talvez. Talvez sim, porque nesse momento a alegria toma conta de mim.
De lembrar, de querer, de saber esperar. Eu nunca soube antes.
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