A alegria
me tomou. Arrebatou-me, levou-me a nocaute. Fez com que eu passasse de peso
pesado para leve. E me tirou das cordas. Não é incrível? Um olhar, bastou um
olhar para que eu reconectasse com a alegria intrínseca da vida. A alegria
fundamental, visceral, quase mística, ou mística mesmo; alegria da certeza, da
confiança, do prazer. Muito prazer. Me too.
Havia uma
música. O ar pode fazer sinfonias, basta o movimento de um arco, um movimento
de dedos, as cordas vibrando, o silêncio da nota perfeita. Sim, havia música.
Era um dançar colorido nos olhos que se cruzaram e não tiveram medo de ali
ficar. Quietos mas intensos. Intensos mas leves. Leves mas reconhecidos. Como
mãos que se dão em passeio. Como presenças que dispensam palavras.
Meu deus!
Era a presença divina? Angelical? Mas e o prazer presente? Era o inverso disso?
Lilith zombando de minha fragilidade? A lua negra oculta me fazendo expor
sentimentos que desconhecia? Uma peça, uma armadilha, um chamariz? Terei virado
presa? Terei perdido o senso? E que senso pode ser melhor que esse sentimento me
fazendo flutuar em meio à montanha de pedras e árvores enraizadas buscando o
silêncio incógnito do frio? Sofrerei? O que virá depois?
Não sei.
Não sei se preciso saber. Não sei se é possível saber. Parece que quando
tentamos prever o futuro estamos apenas com medo do por vir. O por vir é o
outro lado da rua. O outro lado da esquina. E por hora a paisagem que me
descortina é encantada. Voo encantada por entre os dias e noites trazendo nos
bolsos pedras para que não me perca, não fuja, não desapareça no mundo dos
sonhos. O sonho alegre de uma vida que começa. Um novo começo.
Todo novo
começo me encanta. Assombra mas encanta. Porque traz em si uma certeza de
mudança. O velho sempre remói antes de partir. O antigo finca garras no peito
para não deixar de ser. E tudo se transforma, ainda assim. Eu sei bem. Eu, que
sou puro fogo queimando lentamente numa dança amarelenta e quente, sei que
transformar não é fácil, mas é simples. Queimar como brasa que troca o carvão opaco
pelo vermelho brilhante da vida. E derreter. Verter lágrimas de emoção seja ela
qual for. Seja ela qual dor. Seja ela de amor. Sim, porque o amor também
lacrimeja os olhos, emudece a voz, estanca o gesto. O amor é a expressão sem
necessidade de excessos, de movimentos, basta um olhar, basta deixar.
E no olhar,
a incerteza pungente e intrínseca, a incerteza que faz tremer o corpo como se
morresse de frio sob a cachoeira. Descer em corredeira fazendo onda e levando
tudo num redemoinho vertiginoso, o próprio coração na batida do tambor.
Batendo, batendo, batendo no ritmo de atabaque. As mãos sem pensar batendo,
batendo, fazendo o transe do resto. E os passos, ah, os passos da dança que
movimenta o olhar, prende o olhar, impregna, enlaça.
Não penso,
entro na dança sem tirar os olhos dos olhos. Olhos que me envolvem – foi de
propósito? – que me fazem perder a mente, que deixam voar as notas, escorrer o
coração, deslizando embaraçada entre pernas e braços, o corpo todo tomado por
uma tensão que esquenta, que me ergue o tronco, me arrepia a nuca, me faz
dançar. Dançar como nunca. Como a cortina ao vento. O cabelo entre os dedos.
Como se não restasse senão esse caminho, entre pedras e seixos, os pés em
ziguezague de valsa, dois para lá, dois para cá, apertando contra o corpo o
corpo que não é meu. Não importa, é apenas uma dança. Apenas uma dança e nada
mais.
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