segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Não sou da cidade grande


Eu não sou mais da cidade grande. Não sei me encontrar nela. Não sei sequer me perder. Estou fora dela como ela está fora de mim. Onde estão as pessoas? Onde elas se escondem em noites intensas? Onde elas vagueiam? Eu não as encontro, procuro, mas rodo em círculos, fico parada no tempo, até por fim sentar e tomar um café. 

Não encontro os telefones, deixo recados que nunca serão ouvidos ou reclamados, ou respondidos. Olho em volta, reconheço a rua, reconheço o lugar, fisicamente. Mas o espírito, eu não localizo. Quais os símbolos? Eu os perdi quando saí daqui para nunca mais. Joguei as chaves no bueiro do lado de fora da calçada. Eu não me entendo mais aqui.

Os sinais, que me dizem? Que não sou mais da tribo, não tenho a senha, não sei mais passar pelo portal. Cruzei a linha precipitadamente demais. Minha viagem não permite volta. Tarde demais. Forte demais. Longe demais. Desci os porões além de onde havia possibilidade de ir. Subi os telhados transparentes e quebradiços dos desejos desajeitados da minha herança. Fui. Transpus. Me perdi? De folha outonal caindo da árvore passei a borboleta subindo para o vento. Diferente? O mesmo vento a soprar. Só eu que mudei a vela, a direção.

Hoje não quero voltar. Eu só queria reconhecer as esquinas que já cruzara antes. Só queria ver a cara daquilo que me dizia alguma coisa antes. Antes do fim. Antes, quando eu era apenas mais um alguém a andar pelas ruas. Perdida em ziguezague refém do tempo, do medo, do peito frio, desconsolado. Desconsolada. Des.

Desconstrui quem eu era para poder partir. E hoje, quando me sinto, aqui longe do meu lugar, parece que nunca pudesse ter sido diferente. Encontros marcados em ruas desconhecidas, com pessoas que deixaram de ser. Fantasmas emudecidos de quem fui. Tantas.

A cidade grande é um xamã hipnótico que acompanha e encaminha os iniciados. Protege e alicia os que aceitam. Depois, expulsa quem não o segue completamente. Feche os olhos e siga em frente. É uma ordem. Não pense na vida por levar, não sinta saudade de nada que já passou, não tente entender o que aconteceu. O grande irmão existe de verdade. Ele filma no semáforo, ele grava no elevador, ele não deixa que você passe em vão. Faça parte dessa turma. Seja alguém a remar na mesma direção. E se você partir, um dia, ninguém sentirá falta. Ninguém vai ligar para ver se aconteceu alguma coisa. Porque você só existe se está na mesma maré. Subindo e descendo na mesma onda. Depois disso, bem, depois disso é bom que o que você faça lhe faça sentido. Que você suma para algum lugar que tenha coração. Que você se encontre numa casa que pulse com sua chegada. Que você durma sem turma, mas de bem com a vida. 

A vida não é um albergue lotado. Antes, é um voucher para um passeio de caiaque que leva você aonde quiser ir. Vai até onde você for. A vida pode ser silenciosa e muda como um filme antigo. E pode ser um balanço no meio da tarde, longe, tão longe que dá para ver a silhueta do sol se por. Não é barato, não. E dá um trabalhão ficar olhando para um céu azul sem fim. Não tem a comodidade de ser porta com porta, janela com janela, carro, buzina, farol. As pessoas não estão tão fáceis ao pé de uma agenda eletrônica. Sem sinais, é preciso falar declaradamente. Declarar sua falta. Declarar que importam. Em voz alta, olho no olho, expor mesmo. É, até a liberdade tem preço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário