Tem gente que, para se divertir, fuma ou bebe, alguns tomam comprimidos, outros comem muito. Eu ando a cavalo. Não tem nada igual. O cavalo ainda é selvagem mesmo quando domado. Ele é livre, você não pode deixá-lo com ração sem fim, pois ele come até morrer. Ele não se acostuma com ração, tão civilizada. Nada disso. Ele continua num tempo em que a vida valia pelo que se vivia, pelo que ofertava. O mato farto, o vento farto, a água em corredeira. Ele olha para você, aceita o cabresto, as rédeas e o freio e vai onde você comandar. Mas assim que você vira as costas, ele volta a ser o que sempre foi e será: livre.
Também vim buscar a liberdade nessas montanhas. A liberdade de ser quem sou com o mínimo de esforço e civilidade. A civilidade doma os espíritos. E um espírito domado é como a grama que só cresce no sol. Perdeu a rusticidade do mato que cresce na floresta, na sombra. E a rusticidade é a capacidade de continuar onde parecia o fim. A água da cachoeira, a pedra da montanha, o pássaro que voa longe. Isso é rusticidade.
Cavalgar é um ato de meditação também. Deve rejuvenescer, deve renovar os neurônios, deve fortalecer o coração. Só porque faz a cabeça parar um pouco de sua habitual lógica e falta de lógica. Parar de pensar em tudo que é limitante e enquadrado. Pode ser um perigo, como comer ração sem parar até morrer. Mas um perigo para a vida dos que se acomodaram em rotinas sufocantes e extenuantes, rotinas de propósito repletas de prateleiras para arrumar e gavetas entulhadas para distrair a mente daquilo que realmente importa. Tanto empecilho no dia a dia que quando viu, o dia passou, a vida passou.
Às vezes, quando volto dessas cavalgadas, é noite. E quando não tem lua, como hoje, as estrelas se refastelam. Fico em silêncio, como se falasse com elas e elas me ouvissem. Todos que estão perto fazem um pouco de silêncio. Os olhares perdidos no infinito, já não se cruzam. Um silêncio rápido, pois logo sobe no ar aquela vontade enorme de galopar, que chega pela mão que segura a rédea, e agora é o cavalo a comandar. Disparar no escuro sem se preocupar com nada. E por que se preocupar?
Talvez seja tão bom porque cavalgar tem um aspecto místico, parece que a gente se torna um semideus, assim como o centauro. Ou talvez porque é muito mais alto, dá para olhar o caminho por um ângulo mais elevado. Ou talvez, simplesmente, porque por instantes dá para retornar àquela época da vida humana que não era preciso ser herói, porque todos eram. Que não era preciso ser perfeito, porque não existia imperfeição. A liberdade inconsequente de quem não erra. O cavalo, imagino, é pura intuição. É um tapete mágico. Abre-se um caminho pela árvore e todos se arremetem para o mundo de alice. Eu não queria uma vida de sonho, mas por que não viver um pouco de enlevo no meio da semana?
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