sexta-feira, 22 de julho de 2011

Eu que já fui paciente psiquiátrica

Os loucos da idade média deveriam ser bem mais loucos do que os de hoje em dia. Até bem pouco tempo o modo tradicional de se tratar gente maluca era prendê-los longe da vista de todos os demais, família, amigos, sociedade, para não constrangê-los com sua insanidade. Eram confinados e submetidos às mais cruéis formas de torturas a que chamavam tratamento. Eletrochoques, alucinógenos, tranquilizantes, uma parafernália.

Agora, não mais. Eu, que já fui paciente psiquiátrica, sei bem que mudou muito. São comprimidos com uma tecnologia quase imperceptível. Tudo fica melhor. A realidade fica melhor, aceitável. Toda a sua incoerência, toda a falta de sentido que sua vida tinha, repentinamente, toma um novo colorido. E não importa muito se você apenas amortizou tudo, transformou todas as suas emoções em um purê insípido. Ao menos você continua produtivo, receptivo, socialmente aceito. Ao menos para os outros, por alguns momentos, você é normal.

Conheço pessoas que são completamente transtornadas, compulsivas. Algumas imaginam uma realidade e contam para si e para todos os que a rodeiam a tal ponto convincente que todos acreditam nessa ilusão. Até a própria pessoa. E conheço alguns que se fecham num mundo isolado, escondem-se em casulos, morrem de medo de tudo. Trancam-se em casa, não respondem e-mails, não atendem o telefone, e ficam horas pensando se há algum perigo em levantar da cama.

É um mundo repleto de dor porque pessoas em geral têm consciência de seu estado caótico. Reconhecem-se naquele papel de prisioneiros de um destino que não lhes pertence, que não têm controle, não entendem. Quem não sabe o que é isso pensa que é apenas fraqueza. Não consegue ver que tem uma sensibilidade insuportável sob essa pele fina de paranóia ou medo.

Mas por que? Por que insistir em se degenerar, recusar buscar o sentido que a vida exige para pagar apenas o preço por uma negação? Quanta sensibilidade desperdiçada tentando desesperadamente ser o que não é, respondendo com silêncio e inaptidão ao chamado da vida social? Hoje acredito firmemente que tudo isso é resultado da falta de expressão, seja qual for, de uma sensibilidade que não tem espaço em geral na vida moderna, como ela é desenhada. Talvez, apenas talvez, se essa pessoa tentasse escrever – qualquer coisa - , tentasse pintar, desenhar, colar, amassar, recortar, costurar, emendar, serrar, fundir, quebrar, e expor, essa dor seria menor. Expor necessariamente. Mostrar-se. Quanta dor represada poderia ser aliviada apenas nesse gesto. E quantos comprimidos a menos seriam abreviados das prateleiras!

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