Eu não canso de me surpreender. Uma flor abre uma vez no dia. Outra dura apenas um dia. E é linda. Efêmera como a vida. Num dia, tudo amanhece branco de gelo, deixando a paisagem com atmosfera silenciosa e quieta. Tudo em volta cristalizado, refletindo o sol nas várias facetas da água congelada. Um brilho, uma luz única. No outro dia, parece que as plantas passaram por uma queimada: as folhas caem, os galhos secam, as flores ficam escuras, a grama doura. Um mundo inteiro mudado num sopro. Até a pele gelada de um dia fica queimada no outro.
No meu quintal sobrou apenas a cerejeira, resistente, cor-de-rosa, tomada de abelhas e zumbidos. Tudo o mais queimou até a última folha. O alecrim também restou, florido e mais aromático do que nunca. O estresse faz a planta dar o seu máximo. Diferente das pessoas que, sob pressão, espanam, doem, fogem ou batem. Os orientais estavam certos, a vida se completa nos opostos. O difícil é conciliá-los. Aceitar as diferenças como quem aceita o troco de uma compra. Aceitar o diferente como quem aceita que nem tudo é espelho no mundo real. As diferenças trazem possibilidades inéditas, soluções inesperadas, um gosto daquilo que de outra forma não imaginaríamos.
Olho o luar lá fora. Lua crescente em sorriso que ora foge ora retorna dourado por trás das nuvens. Olho o luar por trás da árvore que agora é só galhos. Se tudo muda, serei eu também a mesma? Amanheci com fome e agora estou tomando vinho no meio da noite. Passa o tempo enfileirado de folhas caídas como faz o inverno quando chega. Primeiro amarelo, dourado, vermelho e, por fim, marron terra. A mesma terra que vai voltar a ser verde um dia na folha que vai nascer, e que já está brotando. Os ciclos em dança de roda. Terei um lenço atrás? Terei que sair correndo atrás de quem me escolheu? Precisa ter humor para brincar com a vida a brincadeira que ela quer. Como um jogo de lenço-atrás.
Vai esfriando cada vez mais um frio que vem do chão. O inverno é minha estação preferida. O dia é ensolarado, a noite é translúcida, as estrelas aparecem mesmo quando há lua, e as pessoas, ao contrário, desaparecem sob casacos, gorros e cachecóis, mas ficam mais charmosas, elegantes, cuidadas. Algumas ficam resfriadas, sem voz, ou com febre. Faz parte. É preciso saber flexionar também. O inverno é a inflexão da vida. Qual é o alcance das minhas mãos, a altura dos meus pés, a largura das minhas pernas? Até onde posso seguir quando amanhecer o dia e tudo voltar a ser verão? Enquanto isso, enquanto não tenho respostas para perguntas simples, vou me aquecendo e aquiescendo no retiro de minha casa, sabendo que um dia terei que sair, que um dia terei que abrir a porta e sair sem proteção, sem desculpas, sem medo, como quem apenas acorda e abre os olhos. Naturalmente.
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