Plantei muitas árvores até hoje. É claro que quando plantei, elas eram mudinhas. Muitas não vi crescer, nem sei se vingaram. Mas aqui no meu quintal, plantei algumas cerejeiras e, no inverno, tenho árvores de abelhas. Imagine milhões de flores cor de rosa zumbindo sem parar. Elas, as árvores, que já eram vivas, agora parecem se preparar para levantar vôo. De repente, de um dia para outro, um mundo paralelo aterrissa no meu quintal como uma lufada rosa, vertiginosamente rosa, e quando penso que são flores, é mais que isso, são zilhares de abelhas se perdendo de flor em flor. Plantei um liquedambar também. Na verdade, ele se plantou sozinho. A muda estava apenas guardada no quintal e ele saiu do saquinho plástico e foi conquistando seu lugar para sempre. Nesse inverno, ele, que costuma ficar vermelho, ainda está verde-amarelado, pequeno.
Não é verdade que basta plantar uma árvore, precisa ver crescer, faz muita diferença. É uma mistura de química com física quântica. Tem muita gente que reivindica criações sem acompanhar o crescimento. Criações não são como bolhas de sabão que você solta no ar e explodem, vida curta, morte súbita. Elas pedem cuidados. Água é bom. Podar é bom. Olhar é bom, olhar todo dia para ver as mudanças. Uns dias verde, outros amarelo, outros ainda rosa. Tem que recitar poesia debaixo dos galhos, tem que sentir o perfume das flores, mesmo o mais imperceptível. Tem que fazer uma série de atos inúteis e fúteis, porque, como a vida, a arte é inútil. É para nada, porque é tudo e não tem porque.
Criar é um ato de desapego, claro. E quanto maior o ego, menor a cria, exceção feita a Picasso, obviamente. Mas quantos picassos podem existir na mesma Terra? Quantos gênios verdadeiros existem ou existiram um ao lado do outro, pacificamente? Não, egos não são pacíficos. Egos são guerreiros. E guerreiros querem troféus, não criação. A criatividade não é o foro de guerreiros, porque verdadeiramente criativos são aqueles que amanhecem ao lado de sua pequena muda plantada na véspera, regada com carinho e atenção de quem sabe velar. Velar de veleiro, velas ao vento. O ego é a âncora, com certeza.
Agora, apenas chove. Depois da chuva, o frio vai voltar mais forte. Quando entendemos os fluxos da vida, fica mais fácil viver. Mesmo com chuva, mesmo com frio. As adversidades ensinam. Depois virá o frio mais frio desse inverno. E mais transparente. Mais estrelado. Feito para acender o fogão a lenha. Feito para acender uma fogueira lá fora. Momentos que nos fazem refletir, introspectivos. Encolhemos os músculos e recolhemos os pensamentos.
Alguns momentos, inesperadamente, meus cachorros latem no quintal, investem contra alguma coisa que enxergam ou sentem. Aguardo. Depois, silêncio. Foi algum animal intrépido que passou ao lado da cerca. A noite é das raposas, dos gambás, das corujas. Eventualmente eles latem apenas para galhos das araucárias que caem fazendo barulho. Nem ligo. Já conheço a dinâmica do quintal.
As coisas que mais me chamam a atenção são aquelas que encerram paradoxos. É engraçado que a parte mais quente da casa, ao lado do fogão à lenha aceso, é também a parte que mais venta. Um pouco porque o forro nessa parte é vasado. Mas a outra parte é o calor. O calor chama o vento frio, claro. Esse é o movimento dos ventos. Tudo estava muito quieto, começou a aquecer, começou a ventar. Coloquei um leite para ferver e preparar alguma bebida bem quente. Essa é minha resposta paradoxal à entrada do frio. Depois acrescento tapioca e, para adoçar, umas colheres de geléia de cravo e canela. Aquecer o corpo é um conforto. E nada como cravo e canela para aquecer as entranhas. Não posso chamar isso de mingau, ficou leve e mais líquido, quase de beber. E ficou bárbaro. Pode ventar a vontade agora. Estou preparada.
E assim, vão se passando as horas, a vida ela mesma. Não há para onde ir, não há um outro momento, um outro lugar, um paraíso para chegar. A vida é aqui e agora. A vida é esse passar das horas que podemos ficar sentados na beira do fogo ou correndo atrás de uma diferença do caixa. Escolhas. E eu adoro saber que sou eu fazendo essas escolhas, mesmo aquelas que já estavam escritas antes. Mesmo aquelas que já havia escrito antes de levantar da cama pela manhã. (mas quem foi que escreveu que tinha que dar uma diferença no meu caixa? Aiai.)
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