Cinco horas da tarde e já está frio. Preparo meu fogão a lenha e acendo uma fogueira lá fora para minhas cachorras. Elas nem ligam. Parece que acendo só para mim mesma, que, aliás, adoro. Essa é a época. Fogueiras, frio, muito frio, roupas quentes, noites translúcidas, céu de estrelas.
Antes ainda andei pelo quintal. Colhi pimentas, limão e coentro para fazer uma guacamole bem picante e começar a noite aquecida. Colhi azedinhas também, pensei em fazer uma sopa de batatas com elas, reconfortante e restauradora. O frio consome muita energia, imagino, para poder manter o corpo quente e tudo funcionando direito. Então, batatas repõem energia como só o pão faria. Mas estou sem pão em casa. O paraíso é aqui, e assim sendo, não preciso de perfeição. Hoje vou fazer o contrário, vou me fazer acompanhar de vinho, embora a guacamole faça par com cerveja. Estou com a garganta irritada e não é bom provoca-la ainda mais.
E quando menos me dou conta, já escureceu. Um escuro silencioso de lua nova. A fogueira iluminando seu quinhão fez aquietar a cachorrada. Nem coloco música para deixar só o crepitar de fundo com o borbulhar da panela cozinhando. Gosto de ver a chama do fogo amarelo avermelhada dançando em meio aos vapores que sobem. Essa é a vida que fez do homem mais que um animal, um transformador. Mais que seguir seu destino, fazer deste sua herança, seu legado. E eu aqui, herdeira da subversão capital, tomando vinho e transformando com fogo uma batata em quitute quentinho e apetitoso. Transformando o fogo em aquecimento central. E fazendo de tudo isso uma bandeira da sanidade mental.
Tem gente que é louca apenas porque não descobriu que pode ser o elemento transformador de sua própria vida. Faz parte. A consciência é a parte mais dura da vida. Nem todos querem vivenciá-la. Nem todos têm coragem de admitir que é o deus de sua vida. Reze por si. Reze por seus antepassados. Reze por quem sucederá seus gestos e seus pensamentos. E eis que o peso é demais. Eu sei porque já vivi essa renúncia, esse abandono, esse medo de tudo. A loucura em suas várias facetas, da mais mansa àquela que engana, ilude, manipula. A loucura que sorri e diz bom dia, abre conta corrente, sai para a rua vestida de normalidade e só desmorona no sozinho da noite, dentro do quarto fechado. Remédios, terapias, compras, medo e vergonha: um círculo que se encerra em si. O mesmo homem, quem diria, aquele que faz o fogo e alimenta a alma e aquele que teme o calor e morre de fome e frio.
Quando vim para essa montanha, vim procurar a paz, a calma e a paciência. Não precisa me dizer que isso está dentro e não fora, na alma; agora eu sei. Eu queria ser zen e parecia mais com um palito de fósforo: era só esquentar a cabeça, pegava fogo e queimava até o fim. Eu queria transcender a dor, uma dor que não me largava, uma insatisfação que era como uma ferida aberta diariamente. Antes a insatisfação do que a inanição e a morte da vontade. Mas a natureza é um remédio que cura bastando dar tempo. O horizonte é um remédio que desintoxica até os corações mais amargurados. Corações que só precisam recuperar a vontade e acreditar. E é fácil acreditar quando se vê uma flor abrindo, uma semente brotando, e um córrego retomando fôlego depois de um inverno seco e poeirento. Tem momentos na vida que só precisamos abrir os braços e esperar pelo abraço que virá. Sem medo e sem desculpa.
Por enquanto, coloco um pouco de água no fogão para esquentar e talvez fazer um chá, adoçar com mel e me aconchegar sob cobertas quentinhas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário