terça-feira, 7 de junho de 2011

Arroz cozido com alho

Arroz cozido com alho à provençal e mandioquinha salsa ralada numa panela e, na outra, lentilha com amendoim e ricota defumada em pedaços. Cozinhei bem e misturei tudo. Esperei esfriar e, toque final, um bocado de ração de gato. Eis o que minhas cachorras comeram essa noite. Acabou a ração delas e era tarde. Se morasse em uma metrópole poderia sair a qualquer hora qualquer dia e encontrar qualquer coisa. Mas daqui, estou a centenas de quilômetros de uma metrópole. Então, me virei com o que tinha em casa. Não preciso dizer, elas comeram tudo. Absolutamente tudo como se tivessem comendo uma carne apetitosa. Talvez eu nem precisasse pôr a porção de comida para gatos. Foi um mimo. Cães adoram comidas de gatos. Gatos adoram comer a ração de cães. É sempre aquela coisa de preferir o que é o do outro.
Pessoas são assim também. Queriam o cabelo de um, o nariz do outro, declaradamente ou não. Quando não é declarado parece que se chama inveja. Querer o que não tem. Um pouco da insatisfação move o mundo, eu sei. É preciso querer o que não se tem para sair buscando. Os acomodados são aquelas pessoas que estão satisfeitas com o que possuem. Os manipuladores são aquelas que conseguem o que querem através de alguém. Tem aqueles que ficam insatisfeitos o resto da vida porque sempre querem o que não é seu. E tudo que conseguem é pouco, podia ser melhor. Mas também tem aqueles que vivem comparando tudo que fazem com o que os outros fazem. Não basta conseguir o que querem, tem que ser o melhor, tem que ser mais, tem que tirar de alguém. A sua felicidade depende de ganhar de alguém. Não está em vencer, mas em derrotar. Não basta estar acima de todos, precisa ser na cabeça dos outros.
Já os animais são irracionais. Precisei ficar entre duas cachorras que terminaram correndo sua refeição para proteger uma que come mais devagar. Já ia ela ficar sem sua comida. Não gosto de interferir na associação delas. Elas vivem juntas há mais de cinco anos e têm a sua própria organização. Mas eu tive que fazer isso hoje. Dividi a ração entre elas sem sobras, não dava para comer menos, além do mais, cachorro com fome late. E hoje preciso dormir cedo e bem, pois amanhã vou acordar de madrugada para ver a geada, o branco que recobre as plantas e tudo com o frio que está fazendo.
Por que o fascínio pelo frio? Talvez porque aqui não é a europa nem neva, e a pontinha da insatisfação aparece de novo. Quem mora em país tropical quer o frio. Os outros querem o sol. Aqui tenho o sol – em céu translúcido, azul a perder de vista – e o frio frio mesmo. Frio de gelar o nariz só de ficar para fora. O resto coberto também fica frio. Tem que segurar o gato no colo para esquentar. Tem que acender o fogão a lenha. Tem que ligar o aquecedor no banheiro para tomar banho. Nem tudo são flores na montanha. Mas, as flores que tem são lindas. Ainda quaresmeiras roxas, e daqui a pouco cerejeiras cor-de-rosa, depois são ipês roxos, amarelos e brancos. As folhas das árvores também mudam de cor. Vão ficando amareladas, depois vermelhas e, antes de se deixarem levar pelo vento, douradas. Dá para caminhar sobre esse dourado, que estala, com a brisa fria no rosto, pela manhã. E o gelo branco sobre o capim e plantas como prêmio para quem acordou cedo, antes do sol subir.
O melhor de tudo não é acordar entre as árvores que plantei, as ervas que semeei, ou animais que cuido e crio. O melhor é que fui eu que escolhi viver assim. Planejei, sonhei, movi, chorei, depois ri, perdi o ar e voltei a respirar. Fico em paz de saber disso. Em saber que faço a minha parte no legado humano: deixo minha consciência me levar.

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