Na busca
por identificar quais as características que os casais em relacionamentos
duradouros e longevos têm, observo a paciência. Não só paciência ao responder
ou agir, mas também ao ouvir. Porque, de modo geral, nossos diálogos internos
se sobrepõem ao que a realidade se mostra, e muitas vezes já sabemos a resposta
antes, já deduzimos os pensamentos que motivaram o outro, o que nos faz impor
um ponto de vista (nosso) em detrimento das explicações, justificativas ou,
apenas, de outro ponto de vista diferente que o outro tenta nos apresentar.
Isso me faz
refletir sobre outra característica: como diferenciar essa imaginação própria –
fecunda e cheia de eu sei – da
intuição – aquele saber que não tem explicação, decorrência ou causa, mas que é
instantâneo – ambas, imaginação e intuição, surreais e suprarracionais. Como
identificar quando estamos contando – ou recontando – uma história para nós,
entremeada de insegurança, passagens passadas ainda muito à superfície da pele,
decorrentes de outras experiências doloridas, semelhantes, e quando uma nova
história se apresenta de fato, inesperada e pontualmente, um aprendizado de
verdade?
Talvez,
antes de tudo, eu tenha que refletir por que haveria de desejar um
relacionamento duradouro e longevo para minha vida, já bastante repleta de
causos, pequenas histórias magníficas, grandes fracassos insistentes, muitos
amores e eu te amos? Por que um relacionamento
deve durar no tempo para mim, que tenho que desenvolver paciência – a qual
poderia ser uma herança, um presente, um achado – e que não sei separar dos
meus dias e noites a imaginação fertilíssima e insondável dos meus sonhos? Por
que haveria de querer para minha vida o desafio, mais do que ir dormir e
acordar com a mesma pessoa, de viver com ela os dias e as horas e os minutos,
nos vazios de me encontrar longe, e nos repletos de entender que me basto para
minha vida? Na minha arrogância de pensar que sei do que preciso e quero, e na
singeleza dos momentos lindos e simples de não querer mais nada. Por que vou
atrás daquilo que não tenho, como se procurasse ouro onde não há lavra?
Quem sabe
eu seja ambiciosa, ousada, e precise desesperadamente me superar nos limites
mais evidentes, ao menos. Ou essa seja a fase da vida que toda pessoa reflete
sobre o que fez até o momento, tentando explicar o que não deu certo e o que
deu – às vezes, esse último é o que mais carece de explicações. E embora
desconheça efetivamente minhas motivações, anseio por um relacionamento que
possa durar além das dificuldades em lidar com diferenças, além das restrições
que a vida conjunta impõe à liberdade individual e, sobretudo, à curiosidade
premente de querer saber se há vida nesse planeta e de que tipo. Eu, uma
astronauta muitas vezes presa nas atmosferas alheias.
Propositadamente
não me refiro ao amor. Amor é aquele sentimento que permeia os contatos, às
vezes intensamente, às vezes nem tanto. Não. Quero ver os relacionamentos
naquilo que não os liga, mas naquilo que faz querer ligar. Porque não é o amor
que mantém os relacionamentos. E nem é a maturidade, pois muitos são os
encontros da vida toda que começaram no primeiro – para aqueles que souberam
levá-los adiante. Também não falo de paixão, aquele arrebatamento que anula
regras, contraria contratos, ridiculariza a razão. Pode até ser que a paixão
seja uma isca, mas não é o jantar, não é sequer o peixe. O viver compartilhado
– talvez não no mesmo teto, mas sintonizado – requer objetividade.
Por fim,
mas não menos importante, preciso encarar outra questão: quero um
relacionamento, qualquer que seja? Quero casar com o casamento – eu, que não
tenho bens para deixar, que não tenho senão incertezas – ou quero alguém em
particular? Porque procurar alguém para caber na casa que construí é mais
restritivo do que abrir mão da liberdade própria e alheia. No infinito das
possibilidades, procurar alguém que caiba nos meus sonhos de relacionamento,
naquilo que trago pronto, desenhado no papel marcado pelas tantas vezes que
apaguei e corrigi, colorido nas cores dos meus anseios, hoje, essa busca se
parece com o procurar uma agulha no palheiro. Ou me contentar com o que está ao
alcance do braço, adaptando uma vez mais o projeto.
E, afinal,
o que é relacionar-se senão um contínuo adaptar-se ao que se apresenta de novo
e velho nos dias que se sucedem? O que é senão um cotidiano encarado com generosidade?
Senão a rotina que amanhece sem flor um dia, ou nublado outro, mas que em geral
traz um olhar cúmplice no que quer que façamos de certo ou errado? Pode haver
emoções fortes e surpreendentes até mesmo quando planejamos com detalhes. E o
enfado é mais resultado da falta de vontade do que dos acontecimentos. Isso é
viver, e relacionar-se é mais ou menos como viver, só que a dois.
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