sexta-feira, 13 de abril de 2012

O Primeiro


Essa noite comi o primeiro pinhão da temporada assado no primeiro fogo do fogão à lenha do ano. Finalmente começou a esfriar e tudo de bom que o outono traz está lá fora ao alcance da mão. É engraçada a importância que a gente dá para o primeiro-qualquer-coisa que nos aconteça. Seja bom ou seja mau, registramos com ênfase. Algumas dessas coisas são facilmente justificadas. O primeiro pinhão é o mais fresquinho e macio de todos. E feito assim na chapa quente do fogão à lenha, o melhor jeito. E se for acompanhado de azeite de oliva extra virgem com sal temperado, aí é demais.

Essa discussão sobre o primeiro me fez pensar de quais me lembro. O primeiro emprego, uma mistura de cabeça fresca com nervoso de aprender. O primeiro beijo, claro, lábios macios, leves. O primeiro dez da escola eu não lembro, mas lembro o primeiro Um, chocante, achei que a professora estava me perseguindo. O primeiro namorado eu não consigo me decidir, porque não consigo definir os critérios. Lembro bem do meu primeiro carro, fiquei com ele dez anos! Ah, lembro também da minha primeira viagem sem pai nem mãe, eu tinha uns oito anos e fui para a casa dos meus tios com minha vó.  Sim, e também tem os primeiros nãos. O primeiro desapontamento romântico. O primeiro fora. Ai, ai, a primeira batida de carro, que também foi a única, porque os outros é que depois bateram em mim. Tem o primeiro carnaval de verdade, que nunca mais quis viver de novo, bastou-me um. O primeiro salário, quanto dinheiro!!! Eu tive um primeiro gato, ranzinza, vermelho, viajava comigo para onde fosse. O dia que arrumava malas ele quase dormia em cima para não ser esquecido. Teve também o primeiro porre, meu Deus, pensei que entraria em coma, coisa ruim de se lembrar. 

Lembrar também é um negócio estranho. A gente lembra de cada uma, não lembra só de coisas boas. O certo era não registrar o que foi ruim e só marcar aquilo que fez bem. Mas não é assim. Lembrar parece estar relacionado com o grau de importância que se deu ao fato ou pessoa. Tem pessoas que me fazem lembrar de músicas, perfumes, de outras pessoas, de lugares, de uma forma tão clara, tão teimosa, que parece agora. Parece que está acontecendo. O que doeu, volta a doer, o que alegrou, faz rir novamente. É como lembrar de comida, dá água na boca.

Quando quero me lembrar de alguma coisa, eu fecho os olhos. Parece que procurando dentro de mim, bem lá dentro, vou encontrar o que queria. E se encontro, a pele arrepia sem querer, a respiração muda, a boca seca. Então, lembrar é experimentar de novo. Fisicamente. Acho que lembrar é um sentimento. Provoca mudanças hormonais, mudanças de humores. 

Agora, e quando você tenta se lembrar de um acontecimento, lembrar de um número, de uma frase, e não consegue? Você não se lembra da pessoa, por mais que ela conte detalhes de sua vida, não lembra o nome, não lembra o que aconteceu. Você não lembra o que respondeu, o que lhe falaram, o que prometeu. E lembra fatos que não contaria para ninguém, não contaria nem para você, já esqueceu, já se perdeu no emaranhado de sinapses, de redes neurais, de tramas mentais. Pode esquecer sem medo de tudo que não vale a pena lembrar. O que não pode nunca é esquecer de onde você veio, como voltar para casa, e se o que tem no bolso paga a passagem de volta. Você só não pode se perder.

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