Eu não sei o que é ser mãe. No máximo, escrevi um livro, plantei
muitas árvores, criei cães e gatos, hoje ainda os crio. Eu não sei o que é
levantar no meio da madrugada pensando se o termômetro podia estar errado, que
está tudo bem na sua espera sem fim, ou se agiu certo quando fez silêncio.
Não, não sei o que é ter que interpretar os símbolos
invertidos da adolescência para estar presente. Nem ter que pensar todo dia no
que vai fazer no almoço ou jantar, simplesmente porque tem que fazer. Não tenho
idéia do que seja fazer sempre as mesmas coisas, passar segurança quando não
sabia o que fazer, e sorrir alegremente diante do medo.
Sempre pensei sim que as pessoas tinham missões umas com
outras, ou que sua própria vida fosse uma missão de humanidade. E aí, claro,
vinha aquela imagem masculina do herói que salva, o herói que articula, voa,
enfrenta inimigos inimagináveis, vencendo-os com o valor de seu caráter. Nunca
me ocorreu que a missão mais difícil não é salvar a humanidade, mas mantê-la
viva. Alimentá-la, acarinhá-la, dar banho, pôr para dormir, ajudar a resolver
seus deveres de escola, ouvir suas dores de primeiros amores. Nunca me passou
que a missão mais impossível é de proteger sem sufocar, deixar andar sem
trauma, sem dramas, e deixar cair seus próprios tombos para entender que não é
tão ruim assim, que não é o fim do mundo, que tem muito ainda que aprender.
Eu nunca olhei para esse gesto, o de abdicar de sua
autonomia, sua independência, sua liberdade, como uma missão recebida de algum
deus, um chefe oculto atrás de um sonho, um anjo que incumbisse tal sacrifício.
Nunca entendi o reter o gesto porque era exemplo, o permitir perder a passagem ou
deixar partir sem lutar. A mim parecia fraqueza, excessivamente feminino,
trágico demais.
Como poderia pensar que nisso havia conquistas? Que a cada
dia que visse aquele ser concebido dar um passo para sua própria vida, e o
visse sair assim de seu caminho, que poderia rescender a júbilo e realização?
Quem me diria que sentir preocupação com o dar liberdade era uma medida da
vitória?
Não, não, não. Eu neguei três vezes antes de entender tudo
isso. Antes de me justificar sobre o que decidi fazer da minha vida. A vida de
escolhas fáceis e difíceis. De escolhas que mudam para sempre as linhas de sua
mão, mudam os traços do rosto, mudam a cor da pele. Eu não me perguntava, mas
já sabia a resposta. Eu não sabia brincar disso, de um dar-se de graça como as
flores, tão expressivas e dadivosas, que não podiam ser carregadas no peito
para não murcharem. Nem quis tentar. Nem quis testar.
A vida não é como um teatro que aceita ensaios prévios, que
tem um roteiro e segue uma linha. Mas ser mãe é entrar para uma peça e saber
seu papel mesmo sem ter lido nada. É lembrar de todas as falas, andar por toda
marcação e esperar a luz acender de novo. É uma peça que já foi escrita,
perdida a fonte, pagantes de segunda a segunda, com placa anunciando a próxima
sessão. Porque é certo que vai ser bisada. Sem cansaço. Anônima. Atrás das
cortinas.
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