Depois da
chuva, hoje abriu sol por trás das nuvens. Uma fresta de azul começou a se
impor. Muita umidade, mas a claridade dá um ar mais bucólico ainda ao verde
geral. Outono. É uma vibração contida, um colorido mal disfarçado, uma luz
difusa. Momentos de silêncio real. Parece que a Terra parou de rodar, o vento
parou de soprar, o movimento cessou. Vai estalar uma pinha lançando pinhão para
todo lado, mas não agora. Um pássaro vai passar voando baixo por entre as copas
das árvores, não, não ainda. Tudo parece meditar profundamente.
Meus pensamentos,
no entanto, vão e voltam na eletricidade que não há em torno. O universo
rodando aqui dentro, em segundos sem nenhuma conclusão. Nem a morte é uma
conclusão. Nenhuma resposta pronta para minhas perguntas todas que chegam aos
borbotões, chegam em tsunami, carregando tudo pelo caminho, tontas. Nada ficou
no lugar. Só eu, sentada no ritmo de um coração suspenso, expectante de mim
mesma. Contemplativa no gesto como um reflexo no espelho dágua, absurda por
dentro como se a alma se recarregasse no relâmpago.
Procuro calma.
Olho em todas as gavetas, reviro todos os armários. Toda calma tem uma alma
guardada em si. E eu sou apenas alma irrefletida descalça e dispersa. Sonhando o
vão do silêncio, cantando o mantra do retorno infinito.
Eu queria
ser o infinito de todas as possibilidades não escolhidas. Tudo que sou,
resultado de ter seguido esse e não aquele caminho. E se fosse outro? E se
tomasse outra direção? Nada mudaria. Estaria aqui hoje no turbilhão de
pensamentos soltos, jumping, num tipo de pensamento-bóia-cross, pensar-risco-de-vida,
o que já é uma contradição em si.
Se eu
cruzasse com cada uma de mim que não fui, em cada encruzilhada que escolhi, sentasse
à mesa para falar da vida que levei e deixei de levar por não ter seguido ali e
sim aqui, o que seria? Conversaria com os filhos que não tive, e que alimentei
em detrimento de minha liberdade – fantasia de liberdade? A que distância
estaria de onde estou hoje? E que resultados seriam a minha colheita a essa
hora?
Não, não
existe destino. Nada estava escrito antes. A única determinação foi um DNA me
trazendo memórias que de outro modo não teria. O resto, o resto foi por minha
conta. Aprendi mais? Escolhi o caminho mais fácil? Fui na onda? Voei sem
direção? Podia ter aprendido piano, ter ficado no interior, nunca ter estudado,
ou já ter me aposentado. Podia ter morrido num acidente de carro, ou ser
nadadora profissional, ou ter morado na Bahia, ter vivido na chapada ou viver
chapada. A cada momento, uma escolha define uma sinapse de quem sou na trama do
universo. Eu sou o que sou. Não haveria outro jeito, outro caminho, outra
escolha, senão a minha. Tudo certo.
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