segunda-feira, 2 de abril de 2012

O encontro

De todos os encontros que tive, esse o que mais ansiei, porque o encontro de uma alma com sua gêmea é para sempre. Eu que pensava que não haveria permanência num mundo de impermanências, que não haveria realidade numa vida de sonho. Eu.

Diante de um espelho de imagens multiplicadas, desenhei com o dedo no embaçado que minha respiração fazia. Desenhei a mão estendida que esperava. Sabia que o dia que estendesse a mão, eu tocaria o outro lado de mim mesma. Sabia que tocaria o véu que me esconde de mim. E me tocaria por inteiro.
Mas o medo. O medo me detinha. Detinha o gesto, me retinha o ar no peito, me prendia ao chão, minhas pernas em pleno vôo, o sem sentindo da linha limite à minha frente. O medo. O medo de quem eu era. O medo de que o futuro me escondia um traço. A cedilha que mudava tudo, o acento que mudaria o rumo. O medo era eu e eu não era nada então.

Depois de me encolher tanto tempo sob a capa mágica e invisível de negar, de pensar tanto que era como se não pensasse em nada, de não chegar a lugar algum; de tanto querer, não abrir os olhos, não abrir a janela, não me abrir. Depois de tanto, as asas encolhidas, tímidas e ressequidas, sem pressa porque não sabiam para onde ir.

Então, a mão estava estendida. Sofria a dor do vazio que se faz logo em seguida de estendê-la. Tente, não tente. Não tente nada. Seja.  Veja as linhas desenhadas, em suspenso, a palma que pedia ou oferecia, mas vazia. Tem que estar livre para poder ser, para poder receber o outro aperto, a outra mão, a face limpa e escondida por trás de tudo.

Redemoinho de desencontros, encontro de onda com a mão que pende para fora da borda, acordo? Ou continuo no sonho? Eu sou o que sou. Dormindo, acordada, sonhando, olhos fechados, abrindo pouco a pouco para a luz que o dia fez para me ver estender a mão à procura de minha vida oculta. Quantos somos? Que universo de ser? Os dedos tocam leve o sopro frio de algo que apenas passou. Será minha alma gêmea? Será minha vida soprada por aquele que me criou? O toque novamente, mais intenso, mais demorado, a brisa quase fria.  Terei tempo? Tempo de entender o que se passa, tempo para perceber, para dar nomes?

E, num rompante, tudo passa aos meus olhos como se toda minha vida, todas minhas vidas, todas que fui e sou, tudo acontecesse ao mesmo tempo num agora. O mundo saindo do lugar a cada passo que dou. O toque profundo como se eu voltasse a ser quem sempre fui. Eu sou o eu sou. Inteira. Intensa. Em paz.  Agora sei o que procurava, sei o que fazia de mim. Agora, no reencontro que faz desvanecer qualquer medo, qualquer falta de vontade, que afasta o cansaço, que faz sorrisos soltos nos lábios entreabertos, voltei a ser.

Gêmea, sinto o encontro perfeito. Sinto como se não pudesse ter sentido tanto estar sozinha em vidas que somaram umas às outras, mas apenas somaram, sobrepuseram, seriam. Promessas que fiz, promessas que desfiz, compromissos cheios de pedras nos pés, imóveis. Agora, lavando meus próprios pés, minha alma se emociona. Lágrimas que enchem a taça de vinho. Brindo para celebrar o encontro. O encontro que ansiava, marcado para ser hoje. Hoje é o dia, e essa é a hora. Dá-me a mão.

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