sábado, 7 de maio de 2011

Sexta-feira à noite

Sexta-feira, à noite, hora de jantar. Acendo o fogão e coloco água para ferver. Destino: uma massa ao molho vermelho, que remédio. Um queijo recém-preparado, salguei um pouco para ver que gosto terá. Coloco os ingredientes sobre a pia, vou preparando tudo pré-calculadamente. E eis que surge um problema: o gás acabou antes mesmo da água começar a ferver.
Depois de hesitar um pouco, escrevo um bilhete pedindo socorro e coloco numa garrafa, lançando na noite. Mas não espero. Pego minha lanterna, luvas de couro e saio em busca de lenha no quintal. Minha munição estava baixa. Nenhuma garra de pinheiro para um fogo rápido. Então, junto todos os papéis que encontro pela casa, bilhetes, velhos recibos, cupons de compras, e coloco tudo bem ajeitado no fogão à lenha.
Dizem que tudo que queimamos se realiza. Por esse motivo, vou intencionando o fogo à medida que o alimento. Continuo acreditando que é necessário cozinhar para alguém, na intenção de alguém. Nada dessa coisa de cozinhar para alimentar. Nada de boas ações, funcionais e lindinhas como alimentar cães e gatos que dependem de você. Quero dizer, cozinhar com prazer, por querer, por generosidade verdadeira. Não há outra ação tão grandiosa como cozinhar.
Sei que isso me coloca na desconfortável posição de pouco modesta. Mas não é nada disso. Estou falando de entrega. Entrega de verdade. De quem não se arrepende não por ter feito, nem de não ter feito, mas de ter acreditado; que não teve medo de fazer papel de ridículo quando a situação era crítica, que não teve medo de se desapontar, porque a situação era de risco, que não teve medo de ficar sozinho, porque o momento era delicado, era pessoal demais. E cozinhar, bem, colocar um pouco de azeite de oliva extra virgem na panela e esperar encontrar um ingrediente à altura numa noite de pouca sorte, é um ato de bravura que merece um brinde.
Por isso, claro, me sirvo de vinho. E, porque me dei conta da importância deste gesto, coloco também um gole de vinho branco no molho de tomate que preparo refogando um alho-poró que encontrei perdido na geladeira. Vou ser mais amável ainda, vou colocar um catupiry de verdade no molho, assim que a massa cozinhar, para que não se derreta todo e eu possa comê-lo junto, derretendo na boca, espalhando seu sabor por inteiro enquanto vou comendo alegremente.
Sempre achei que simplicidade despertasse um sentimento de confiança e familiaridade, mas desconsiderei e acrescentei uns fundos de alcachofra – não é época, nem é fresco, mas eu tinha trazido para casa premeditamente para momentos fundamentais como o de hoje. Eu não me engano, quero dizer, não engano a mim mesma com falsas promessas. A vida pode ser reconfortante se soubermos tirar dela o que ela nos oferece, nem mais nem menos, porque a insatisfação é nossa humanidade querendo mais do que temos no momento. Ou depois.
Apesar de toda minha evidente felicidade em me prover, lanço um olhar ainda para a frigideira em que misturei a massa com o molho e vejo com melancolia que sobrou uma porção. Desaprendi a cozinhar? Esperava por alguém? Deixei a água fervendo no fogão para encher de umidade o ar da cozinha. Não recebi de volta nenhuma resposta ao meu bilhete lançado a esmo. Mas continuarei lançando garrafas na noite com bilhetes sinceros.

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