Sinto falta do mar, porque no mar posso mergulhar. Mergulhar é como deve se sentir deus no universo: total, silencioso e integrado. É como deve se sentir a criança ainda imperturbável na barriga generosa da mãe. Tudo à volta fica um pouco turvo, mas nítido, profundo, vagaroso. E de estar assim entregue, ainda assim, dá para ouvir o coração batendo calmo. É um contato íntimo consigo mesmo.
A montanha é um outro silêncio e outra intimidade. É aéreo, tem perfumes, tem mais cor. Remete a repensar a vida, é externo. É lindo. O frio traz recolhimento e azul, como o mar, mas azul rendado de copas de árvores. É mais parecido com memória de infância. Tem vacas pastando, galinhas no quintal e tem a música sem fim dos pássaros. Eu gosto da montanha. Mas hoje eu queria o mar.
Já estive perto de unir o mar à montanha, muito antes de escolher morar nessa montanha. Mas abri mão de ter tudo para ter bem uma coisa de cada vez. Escolhas. Já me arrependi de ter feito escolhas. Não eram escolhas erradas, eram apenas aquelas que depois trouxeram resultados de que não gostei. Faz parte da vontade, às vezes, errar e faz parte da consciência perdoar sempre.
Como o fogo que não escolhe o que queima, o perdão também não deve ser seletivo. Varrer a mente feito o vento que passa. Varrer o coração e deixá-lo menos dolorido. O perdão ameniza as dores, ameniza as lembranças, é um carinho na ferida aberta. Aliás, o perdão cicatriza. Perdoar é uma oitava acima de amar.
Eu não sei o que é mais difícil, perdoar ou pedir desculpas. Tudo absolutamente necessário, tanto um como o outro. Em geral dá para ter dois pesos e duas medidas para muitas coisas quando se trata de si mesmo e os outros. Parece até uma regra. Tão difícil entender o ponto de vista do outro como aceitar os próprios erros. Receber críticas, então, parece o fim do mundo. Era melhor ter acabado o mundo, inclusive. Mas eu acredito que quem não perdoa não sabe se perdoar. E quem não sabe se perdoar não perdoa.
Perdoar é esquecer de verdade. Deixar para lá de verdade. É de verdade. Não é mais ou menos, nem é um pouquinho só. É inteiro. Você consegue contar quando perdoou alguém? Então não perdoou. Porque se assim fosse, já teria esquecido. Perdoar é uma felicidade clandestina. Não se mostra. Não levanta bandeiras. Não recebe obrigados. Não fica para ver o que aconteceu. A flor é um perdão. Uma coisa linda que não se guarda porque murcha e perde a graça, perde o perfume, se tinha algum, só fica na retina de quem viu. E às vezes ninguém viu. Foi um passar pela vida. Leve. Delicado. Imperdível, e mesmo assim, se perde no passar dos dias.
Eu queria muito mergulhar, ainda que esteja tão frio. Eu queria voltar para quando tudo começou. Só remotamente viva. Num espaço sem gravidade. Queria um dia sem gravidade. Imersa. Eu, que não tenho água no meu mapa astral, queria a água do batismo, a água que fecunda, que envolve tanto que afoga. Mas tem que ser salgada, tem que ser o mar.
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