domingo, 15 de maio de 2011

Batatas e toxinas

Li uma vez que batatas que começam a brotar devem ser descartadas porque liberam uma toxina. Portanto, se amanhã ou depois alguém der por minha falta, saiba que era a única coisa que encontrei na geladeira. Toxina. Bem, depende do que seja tóxico. Passar nervoso libera toxinas no organismo e não precisou nem brotar. De qualquer jeito, ou era a batata ou era pipoca. Eu adoro pipocas, com manteiga e pimenta. Mas vou deixá-las para quando não tiver nem batatas. Não fui abandonada numa ilha, nem estou presa na minha casa. Apenas voltei para casa cedo sem pensar no que comer.
Essa noite descobri que lagartas são muito parecidas com gatos. Peludas, fofinhas e perigosas. Não, não acredite nos estereótipos de gatos ladrões ou gatunos. Falo apenas de suas unhas. Precisei dar remédio para meu gatinho e ele não entendeu que é para o bem dele. Foi uma guerra e ainda por cima ele cuspiu o remédio. Nisso eles devem ser diferentes das lagartas.
O certo é que peguei a lenha para pôr no fogão. Já consegui trocar o gás, só acendi o fogão a lenha para assar a batata e esquentar a casa. O inverno finalmente chegou. O frio seco cheio de estrelas mesmo com a lua crescente. Então, como novidade de inverno, acendo o fogão a lenha toda noite. E, veja só, usei luvas de couro para pegar na lenha, claro. Por esse motivo tive minhas mãos poupadas do fogo da lagarta. Ela caiu na rabeira do fogão. Para ver que nem tudo são flores na vida da roça (eu a recoloquei lá fora, obviamente).
Quero me aproximar do fogo, mas fico numa distância segura. Hoje em dia todas essas roupas sintéticas não são muito favoráveis à chama. Inflamáveis e impróprias para mexer com fogo. Já perdi calçados por esse motivo: estendi as pernas perigosamente sobre a rabeira do fogão, o tal calçado era de plástico termoincolhível ou coisa parecida. Ficou um número menor. E tudo isso para ilustrar o desejo de voltar a ter uma vida simples. O aquecimento é dos mais antigos, a batata está assando como se fazia antigamente, mas o restante é cenário.
Não estou desmerecendo a vida que levo. Pelo contrário, gosto muito disso tudo. Eu quero a simplicidade, não a volta à pré-história. Posso acender o fogo com fósforos, usar luvas de couro, e ficar sonhando com a luz que crepita e estala, parece bailar à minha frente enquanto escrevo em um microcomputador. Do que a vida prescinde? Não se pode descartar todo o supérfluo, afinal, a poesia é supérflua, a arte é uma futilidade necessária e a beleza é desnecessária, ou melhor, não é precisa. Agora, o calor que estou recebendo de haver tanta lenha em meu quintal esse sim é a natureza que se dá em troca.
Fico pensando quando tudo isso começou. Quando foi que um ser humano olhou para o mundo e disse: é meu. E se apropriou do que pôde pegar com seu polegar opositor. E pôde assim o declarar por que não teve oposição. E se é verdade que a energia não se perde, se transforma, então que o calor que se irradia do meu corpo agora possa retornar ao mundo que não é meu, mas de que me presto. Que a batata que vou comer por empréstimo possa se fazer valer por meus gestos. E que as palavras que saem da minha boca possam atingir outras pessoas de uma forma generosa e reconfortante para que nada se faça vão, embora passageiro.
(faria tudo outra vez? Não, a cada vez faria diferente, como um prato que se faz sem receita. Como o olhar que se lança ao sair de casa: a mesma coisa, dia após dia, diferente).

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