Hoje, apesar de todas as garrafas com bilhetes lançados na noite, continuo ainda sem gás para cozinhar. Por isso, fogão à lenha! Com direito até a sobremesa: uma delicada banana, no ponto como gosto, a casca já toda pintada, diretamente na chapa do fogão, inteira. Quando descasquei a banana, tinha o cheiro de infância, tinha cara de infância, meio feiosa, dourada e branca, caramelizada no seu próprio açúcar. Mesmo assim, despejei um pouco de geléia de cravo e canela e creme de leite fresco. Depois do último gole de vinho, foi a melhor coisa da noite.
Mas é difícil qualificar assim as coisas. O fogão simplesmente aceso, sem nem cozinhar nada, já era tão bom por me esquentar ao mesmo tempo em que defumava a casa levemente, misturando o cheiro da lenha queimando com a banana assada. O fogo aceso foi outro prêmio. É tão lindo, hipnótico e crepitante que já é uma diversão em si. Uma taça de vinho para espantar o frio – que gosto também – acompanhando fatias de pão integral aquecidas com manteiga de alho para acompanhar um queijo - mas não é qualquer queijo – um queijo que fiz apenas de esperar por ele. Um queijo que se fez sozinho de leite bom escorrido e salgado tenuemente.
Foi por esse motivo que mudei de cidade, de trabalho, de vida. Para poder viver noites como a de hoje. E naquela época eu jamais imaginara que viveria assim. Acho que em geral a gente mira no que vê e acerta no que não vê. Eu procurava significados. Procurava algo para dizer que era viva. Que minha existência fazia sentido. Que eu podia fazer diferença. Na verdade, isso mais se parecia com um olimpo, um paraíso, um ideal de sonho. Era como ser herói de meu próprio destino, dona do meu nariz. Enfim, essas coisas inúteis, externas e passageiras como a idade que se tem.
É que o sentido das coisas vem sempre depois delas. Na hora em que se vive, apenas se vive. Sente, chora, gosta, não gosta, quer mais, esquece, ama. Quem sabe dizer na hora que está ali, com meio corpo para fora do parapeito da janela, que estava com medo, que não sabia, mas que queria ter ido, queria ter partido, queria não ter perdido o trem. Quem sabe na hora que está errando, instantaneamente, consciente, que era um erro? E quando soube, quanto isso lhe deixou de sofrer?
Eu não sei. Mas reconheço que meu esforço foi recompensado. Porque cheguei mais cedo em casa e pude coletar garras de pinheiro e trazer para dentro de casa um bocado de lenha. Não cozinhei, no entanto. Hoje tive noção do que é comer por gula. Apenas por uma atitude estética. O fogo pedia comida e eu não podia desperdiçá-lo. O queijo pedia pão dourado e não pude dizer não. Não era fome na verdade. Não tinha a menor necessidade. Foi um dar-se de graça, como as flores, como a arte. A arte de saber receber.
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