Imagine um indivíduo que se vista de palhaço e saia para a
rua trabalhar. O palhaço não chama a atenção, passa incólume, ou faz apenas
alguns rirem. Para esse, seu intento foi um lamento, talvez fracasso. Ele tinha
em conta que seria comovente, que tiraria lágrimas de rir, que tudo seria tão
divertido. Ele imaginava que cada gesto seu encenado no vazio da cena urbana
faria um séquito de risos em torno do seu caminho. Mas não. Inadvertidamente,
os passantes continuaram passando. Estavam atrasados para o trabalho, estavam
preocupados, falando ao telefone, correndo. Alguns esbarraram em seu sapato
grande, outros tropeçaram em seu gesto largo. Alguns risos, alguma estranheza,
o olhar acompanhava um pouco o movimento. Mas não. Seguiram sua calçada, a
cabeça olhando para o nada, o corpo desviando, esquivando.
O palhaço volta para casa amuado, frustrado. O que havia em
seu humor que não provocava o riso alheio? O que faltava em seu traje, seu
nariz vermelho, a bochecha larga? Faltava amarelo? Bolinhas coloridas em suas
calças fofas? Deprimido, enfiou-se em casa. Tirou a roupa, jogou a buzina no
chão, voltou com os bolsos cheios de balas, nenhuma criança correndo em seu
encontro. O palhaço que não fez rir, doía.
Quanto ao indivíduo, o que dizer de seu feito? Vestiu-se,
saiu, incorporou, voltou, despiu-se. Foi um sucesso. Porque haveria de ficar
triste, quieto, mofado? Agiu como quisera. Portara-se como o papel exigia. Pronto.
O indivíduo por traz da cara pintada se fez. Viveu. Carregou sua fantasia com
determinação e empenho. Não foi para ele que faltaram risos. Não foi dele que
sobraram silêncios. Chegou em casa, desfez-se do personagem. Viu o que tinha
para comer, conversou ao telefone.
O palhaço, a despeito de sua frustração – foram apenas suas
expectativas abaladas, não tem mais de que reclamar. Personagem que foi não lhe
cabe depressão. Não vai ficar se lamentando a falta de aplausos, a pouca
repercussão de sua performance. Não faz sentido a palhaço algum sentar e chorar
sua lástima. Menos por ser palhaço, mais por ser apenas um personagem, um
papel, um texto pré-fabricado, escrito para fazer rir. Mal escrito ou bem
escrito, mal atuado ou bem dirigido, não importa. O palhaço frustrou, mas
somente enquanto atuando. Agora, as roupas balofas estão penduradas na parede,
o nariz vermelho na mesa. Uma lembrança do dia ainda pelas balas caídas dos
bolsos.
O indivíduo e seu papel. Um não é o outro. Um não vale pelo
outro. De que vale um personagem escrito em papel e guardado na biblioteca? De que
vale um indivíduo sem papel? Vale por si. Sua história repleta de personagens e
situações, palcos e encenações é que conta quem é. A si não faz diferença ter
sido aplaudido ou vaiado. Homens que vivem atrás de reconhecimento estão por
aí, pelos cantos e esquinas, vivendo das sombras de quem foram. Esmolam com o
chapéu em riste. Debruçam-se sobre os passantes que fogem correndo. Aborrecidos.
Inquietos. Personagens em busca de atores para ganhar prêmios, carinhos,
atenção, olhares, seja o que for que não tenha.
O indivíduo e o personagem. Tal como o palhaço, o
empresário, o professor, o aluno, o cantor, enfim, todos os papeis possíveis de
se vestir. Com script, falas prontas, arranjos e rearranjos. Às vezes com
aplausos, outras vaiados. Mas sempre um sucesso.
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