segunda-feira, 4 de março de 2013

Como acender o fogo



Antes de mais nada, é preciso esclarecer que um bom fogo necessita de ar. Muito ar fresco e limpo. Ele queimará e soltará em troca alguma fumaça, eventualmente. Mas, para acender: ar. Fogo é como aqueles amores eternos: duram porque respiram. E respiram porque há espaço. Nada de acender o fogo lá no fundo, fechado, protegido. Ele precisará sempre de exposição, estar na boca, perto.

A lenha é outro elemento fundamental. O fogo carece de lenha seca. Não venha com aquelas madeiras úmidas e socadas, retiradas da terra, escondidas no mato. Não pense que o calor vai secá-las. Não. Fogo se faz de fogo e não de água. A água é escorrenta de emoções. Emoções são tão importantes como o amor, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Ou você é daqueles que pensam que amor é uma emoção? Emoções são respostas, reações. Marcam e voltam com um leve acionar de um botão, como lembranças boas ou ruins. Cicatrizes vivas. Não, definitivamente, emoções têm a ver mais com estômago ou fígado. Amor, bem, amor é coração porque liga no peito, o abraço que une, aperta. O fogo é de natureza cardíaca: quanto mais próximo, melhor, quanto mais parecido, maior.

O fogo não é um estado da matéria, como você deve saber. Ele é a matéria que se transforma. É a mudança de estado. Uma mudança tão forte que libera calor em troca. Libera ar quente, renovado, leve. Libera luz. Como aquelas pessoas que deixam em seu rastro milhões de vagalumes piscando, ou fazem as borboletas voarem amarelas e azuis. E fazem seus olhos brilharem só de as acompanhar. Iluminam como faróis em mar revolto, ou escuro, ou intenso. Faróis que indicam uma chance, uma possibilidade.

O fogo em si não destrói, mas pode. Em si ele não devassa, mas consome, queima, cauteriza. O fogo, feito paixão descontrolada, é difícil de lidar. Com muito pouco você ultrapassa o sinal e sai do paraíso para o inferno. Ou não faz nada de tão brando, ou perde tudo de tão tórrido.

Azul para cozinhar, amarelo para iluminar, vermelho para aquecer. E depois disso, a cinza. A cinza é o inimigo número um do fogo. Ela sufoca, apaga, enfeia. Por isso a importância do ar. Deixe o vento entrar e soprar toda cinza que restar. Deixe o fogo queimar até o fim até que não restem sequer cinzas. Não restem nem as marcas da lenha arrastada para a beira. Apenas terra quente e barro cozido. Um cheiro defumado no ar. Vontade de mais.

Para que o fogo aceso mais que aqueça seja espetacular, faça-o à noite. O escuro valoriza as chamas, a dança serpenteada das labaredas. A noite favorece as ilusões, as sensações, as sugestões. A noite é parceira do fogo. Uma boa fogueira dura a noite inteira. Provoca lampejos de fagulhas que arrepiam. Faz cristais de brasas, faz o perigo parecer brinquedo. Embora brincar com fogo não seja coisa para qualquer um. Tem quem se queime e muito. 

Acenda o fogo com tempo. Nunca entre uma função e outra, nunca com outro compromisso. Seja ele o único ato da sua vida. Que seja para toda a sua vida, mesmo fugaz e fugidio como os momentos que passam. Dedique-se. Comprometa-se. Empenhe-se. É fogo, vai se consumir, talvez apagar antes do previsto, não pode ser guardado, economizado, restaurado. É um risco, temeridade, pode causar danos irreparáveis. Assim mesmo e por isso mesmo, não descuide. É para ser aproveitado do início ao fim. Cuidado para que nenhuma fagulha respingue onde não deveria. Se não quiser o fardo, não tente o fogo. É para poucos. E bravos.

E finalmente, o fogo é coisa de pele. Não dá para você inventar, não tente fingir e, sobretudo, não faça parecer. Ou você está para ele ou não está. Fogo é na pele. Sinta-o nas pontas dos dedos, um bafo quente que faz fechar os olhos. Arrebata o corpo todo num tremor. E se esvai como tempestade que passa sem perceber. Como amor que amanhece na segunda-feira. Se quiser fazer uma fogueira, desapegue-se.

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