Antes de mais nada, é preciso esclarecer que um bom fogo
necessita de ar. Muito ar fresco e limpo. Ele queimará e soltará em troca
alguma fumaça, eventualmente. Mas, para acender: ar. Fogo é como aqueles amores
eternos: duram porque respiram. E respiram porque há espaço. Nada de acender o
fogo lá no fundo, fechado, protegido. Ele precisará sempre de exposição, estar
na boca, perto.
A lenha é outro elemento fundamental. O fogo carece de lenha
seca. Não venha com aquelas madeiras úmidas e socadas, retiradas da terra,
escondidas no mato. Não pense que o calor vai secá-las. Não. Fogo se faz de
fogo e não de água. A água é escorrenta de emoções. Emoções são tão importantes
como o amor, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Ou você é
daqueles que pensam que amor é uma emoção? Emoções são respostas, reações.
Marcam e voltam com um leve acionar de um botão, como lembranças boas ou ruins.
Cicatrizes vivas. Não, definitivamente, emoções têm a ver mais com estômago ou
fígado. Amor, bem, amor é coração porque liga no peito, o abraço que une,
aperta. O fogo é de natureza cardíaca: quanto mais próximo, melhor, quanto mais
parecido, maior.
O fogo não é um estado da matéria, como você deve saber. Ele
é a matéria que se transforma. É a mudança de estado. Uma mudança tão forte que
libera calor em troca. Libera ar quente, renovado, leve. Libera luz. Como
aquelas pessoas que deixam em seu rastro milhões de vagalumes piscando, ou
fazem as borboletas voarem amarelas e azuis. E fazem seus olhos brilharem só de
as acompanhar. Iluminam como faróis em mar revolto, ou escuro, ou intenso.
Faróis que indicam uma chance, uma possibilidade.
O fogo em si não destrói, mas pode. Em si ele não devassa,
mas consome, queima, cauteriza. O fogo, feito paixão descontrolada, é difícil de
lidar. Com muito pouco você ultrapassa o sinal e sai do paraíso para o inferno.
Ou não faz nada de tão brando, ou perde tudo de tão tórrido.
Azul para cozinhar,
amarelo para iluminar, vermelho para aquecer. E depois disso, a cinza. A cinza
é o inimigo número um do fogo. Ela sufoca, apaga, enfeia. Por isso a
importância do ar. Deixe o vento entrar e soprar toda cinza que restar. Deixe o
fogo queimar até o fim até que não restem sequer cinzas. Não restem nem as
marcas da lenha arrastada para a beira. Apenas terra quente e barro cozido. Um
cheiro defumado no ar. Vontade de mais.
Para que o fogo aceso mais que aqueça seja espetacular,
faça-o à noite. O escuro valoriza as chamas, a dança serpenteada das labaredas.
A noite favorece as ilusões, as sensações, as sugestões. A noite é parceira do
fogo. Uma boa fogueira dura a noite inteira. Provoca lampejos de fagulhas que
arrepiam. Faz cristais de brasas, faz o perigo parecer brinquedo. Embora
brincar com fogo não seja coisa para qualquer um. Tem quem se queime e muito.
Acenda o fogo com tempo. Nunca entre uma função e outra,
nunca com outro compromisso. Seja ele o único ato da sua vida. Que seja para
toda a sua vida, mesmo fugaz e fugidio como os momentos que passam. Dedique-se.
Comprometa-se. Empenhe-se. É fogo, vai se consumir, talvez apagar antes do
previsto, não pode ser guardado, economizado, restaurado. É um risco,
temeridade, pode causar danos irreparáveis. Assim mesmo e por isso mesmo, não
descuide. É para ser aproveitado do início ao fim. Cuidado para que nenhuma
fagulha respingue onde não deveria. Se não quiser o fardo, não tente o fogo. É
para poucos. E bravos.
E finalmente, o fogo é coisa de pele. Não dá para você
inventar, não tente fingir e, sobretudo, não faça parecer. Ou você está para
ele ou não está. Fogo é na pele. Sinta-o nas pontas dos dedos, um bafo quente
que faz fechar os olhos. Arrebata o corpo todo num tremor. E se esvai como
tempestade que passa sem perceber. Como amor que amanhece na segunda-feira. Se
quiser fazer uma fogueira, desapegue-se.
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