terça-feira, 30 de outubro de 2012

triste



Triste. Pode ser apenas um pouco menos de vitalidade. Pode ser cansaço. Menos serotonina talvez. Pode ser que seja tarde, ou cedo demais. O céu azul não salvou, não salvou o amanhecer fresquinho. Faltou pisar forte o chão, levantar a cabeça um pouco mais, olhar para frente, um horizonte possível. Mas, enfim, triste.

Um momento há que se olhar para o ombro esquerdo e conversar com a morte. É importante? Muito importante? Tem valor? Qual valor? E engolir a saliva que se empoça na boca, a garganta seca. Mesmo no caminho certo às vezes a gente erra. Mesmo errando, está certo. Então, para que entender? Entender o quê? 

A dor é uma forma de encarnar, fincar o pé no chão, enraizar. Mas não é um fim. A dor é superficial, fica na pele, na retina, na sola do pé. Não é uma direção, sequer é um recado, um símbolo. A dor é uma forma de saber que se está vivo, quando tudo o mais falhou. E todas as vozes que celebram a vida, elevam o tom e sobrepõem aos tímpanos. A dor é não ouvir o tocar dos tambores.

A tristeza é uma dor diferente. Não toca, não dispara o coração, não fere. É invisível e dura. Muda. É uma fotografia amarelecida, esmaecida, papel. Uma flor que saltou da sacada. Um pano esquecido no varal, a ventania chegando, sozinho. A parte da parede que o reboco caiu. A mão que diz adeus. Um olhar que secou na lágrima.

O sol brilha, o vento passa, o rio carrega transparente a folha que caiu. As vacas pastam, os pássaros tecem seus ninhos, o mundo gira, entretido. O sangue irriga a pele, os poros abertos trocando o ar, e o som que circula. Tudo fluindo no seu tempo. Todo o tempo escorrendo pelos vãos dos dedos como a água que molha o rosto depois de suar. 

E a beleza que deixou de haver, como uma palavra que deixou de ser ouvida, como reconhecer alguém sem se lembrar do nome. Não é importante, a tristeza não é importante. Nada tem importância num dia triste. Para que buscar tanto os significados? Se num dia, nesse dia, hoje, nada faz diferença.

Todas as doenças trazem em si o antídoto. Todos os remédios, um veneno pequeno. Todos os pecados, a redenção. Mas a tristeza não. A tristeza não tem fim. Não tem par. É um oco. Um tronco sem coração. Um coração sem força até para dizer: ai.

Na tristeza a morte se regala. A morte se prolonga. Gerúndio indefinido da falta de gozo. A respiração contida, retesado o músculo, o pescoço em riste. Não. Não deveria mais haver lugar no mundo para a tristeza que se assoma por cansaço, por ter deixado que o barco corresse sem âncora o canal de areia. Não. Não poderia ser permitido que a morte venha tomar o fôlego dos vivos em pleno dia de sol. 

Triste, triste. Não é por você ter ido. É por eu ter ficado. Vou lavar a alma na cachoeira fria dos propósitos revisitados. Vou beber a água que cai aquecida e salgada porque é do corpo perceber as diferenças, mesmo quando elas não existem mais. Vou dormir um pouco, um minuto apenas, um silêncio no escuro, quieto, antes de abrir novamente as cortinas para a minha próxima dança.

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