Preciso dizer antes de tudo que eu escrevo melhor que
falo. E quando fico em silêncio sou melhor ainda. Mas existe um tempo em que é
preciso expressar, seja de um jeito ou de outro, seja com pincéis, seja com
barro ou papel. É preciso empunhar seu desejo como se ele fosse uma rosa ou uma
espada. Tocar o outro num toucher de fazê-lo entrar na dança ou definitivamente
sair da cena. Falar ao ouvido ou contar segredos confessos e destemidos, mas
não os seus, evidentemente. Cantar na janela do apartamento num rompante de
liberdade sem par.
Eu não sei negociar também. Sou péssima. Se eu gosto de
você, pode me pedir o que quiser: eu faço. Se não me alinhei, no entanto, não
me peça licença. Não peça a benção. Não dou. Ah, mas que incivilizado. Sim. A
civilização trouxe muita coisa boa, mas trouxe a sardinha em lata, legou o ar
condicionado, fez de toda liberdade de expressão uma condicionante para se
viver bem. Ora, quem disse que quero viver bem? Eu quero é viver intensamente,
quero viver intrinsecamente, extrinsecamente. Quero poder dizer morte. É que
morte é quase um palavrão. Pode xingar a vontade. Pode falar mal do outro, pode
mandar calar a boca. Mas não fale na morte.
A morte é artística. Ela representa a transcendência de
um estado funcional para o estado de beleza. Beleza beleza. Ela mesma. Ela
própria, a morte é a passagem. Alguém duvida? Alguém comprova que não é? Claro,
porque se alguém tem provas concretas de que a morte não é uma transição, assim
como a arte, então que se manifeste agora. E que seja duro e frio, sem
maniqueísmos, sem metáforas, para dizer tão simplesmente e com toda a
credibilidade necessária, porque sendo necessária deixará de ser artística. A
arte não é necessária. É básica. A necessidade é um campo do poder. A arte não
dialoga com o poder. Não esse poder de uma pessoa sobre outra. Até porque isso
se chama prepotência, predomínio. E na arte existem mais iguais do que
supremos. A arte suprema ainda assim é par na sua expressão.
Quando, na vida, se perde o sentido da morte, se perde
um farol. Morrer é tão intrínseco ao viver que se morre todo dia. Morre-se na
palavra não dita, no sonho dormido, no grito desperdiçado. Morre-se de pensar
no adeus, de imaginar a dor, de ter medo do medo. Tudo que aflige, mata. Antes
ainda, faz morrer. Tudo que perdeu a crença, deixou de confiar, morreu um
pouco. Porque a morte, de tudo que ocorre na vida, é a única que não pede
testemunha.
É como a arte. Não precisa de nada. Não tem nome,
sobrenome ou renome. É papel, caneta, pincel. É guarda-roupa fechado, máscara
na parede, luz de canto. É um som, uma nota, uma corda vibrando. Um sopro, uma
batida na porta, outra no peito. Arte.
Como queria, meu deus, saber de mim como sei do ar que
te rodeia e faz calafrio, saber da mão que escreve o que sente, saber o que os
olhos desejam sem dizer palavra. Ser artista da arte de querer bem e ser feliz.
Toda arte é uma forma de amar.
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