quarta-feira, 23 de março de 2011

Quando venho para casa sozinha

Quando venho para casa sozinha, para não ficar triste, faço uma comida boa e atraente para atiçar meu apetite e interesse. Assim, escapo dessa sina e fico feliz. Normalmente, enquanto ainda estou na rua, obviamente esqueço de trazer bons ingredientes porque só vou pensar no que comer quando estou com fome. Então, eu descobri, a pressão toda me faz ficar um pouco mais criativa, me virando com o que tenho no armário e geladeira. Combinando coisas que de outra forma talvez não combinasse, tentando misturas que nunca teria feito se tivesse o ingrediente certo.

Hoje tive mais sorte. Tinha uma massa de boa qualidade, seca. Também tinha uma polpa de tomate orgânica muito boa, sem tempero. Então, cozinhei a massa enquanto refogava a cebola numa pasta de sal e alho poró. Despejei um pouco de cerveja e pimenta picante. Refoguei mais um pouco e adicionei a polpa. Por último, cortei umas fatias de camembert e coloquei por cima do molho, tampei e desliguei. Depois, no prato, parmesão ralado na hora. Tudo ficou bastante alegre na companhia de uma taça de vinho. Por fim, uma amêndoa recoberta de chocolate meio amargo e me senti plena.

Teve vezes que pensava, olhando para a vida, o que valia a pena viver, como se somente uma vida de super-herói valesse, como se somente grandes feitos no final da noite pudessem me fazer encostar a cabeça no travesseiro e dormir feliz, inteira. Agora, depois de comer bem a comida que me fiz, e saber que foi o melhor que poderia ter me feito hoje, me cuidar com carinho, entendo o que é viver e dar sentido à vida.

Sei que tem pessoas que não contam em suas casas com comida assim. Mas provavelmente também tem casas mais repletas de pessoas, com mais calor humano – minha casa é quentinha, e tem tanto cachorro e gato que não dá para sentir falta de calor humano – com mais ruídos e conversas para todo lado. São coisas diferentes, cada casa com suas particularidades, suas faltas e excessos. Eu, por exemplo, moro na roça. Longe do barulho da igreja chamando para a missa uma enorme quantidade de música que não escolhi em horário que não escolhi ouvir também, tantas e tantas vezes cedo demais, domingo demais. E daqui, o silêncio é rompido de manhã pela algazarra de macacos na mata em frente. Cada casa com seus ingredientes.

Nem sempre tudo fica muito bom, ou tudo combina bem. Tem vezes que chove e não me dou bem com chuva. A chuva é necessária, sei. Tudo fica mais verde depois da chuva. E o que é colorido fica mais colorido também. Mas não gosto de umidade, principalmente nos pés. E na roça chove mais tempo porque as árvores ficam chovendo mesmo depois que já acabou. Mas por exemplo, nessa época já começou a ter pinhão, então caminhar por essas paragens trás um interesse maior. Aí, chegar em casa tem mais esse sabor: colocar os pinhões frescos sobre a chapa de ferro do fogão à lenha e revira-los um pouco antes de comer. Com azeite e sal, claro. Só não pode ter preguiça de acender o fogão. Eu nunca tenho, adoro fogo, aqueles cristais líquidos que ficam brilhando dentro do fogão. O fogo é outro sentido para a vida, aquece e ilumina.

E é dessa combinação de pequenas coisas, pequenos detalhes, como um portão que bate ou não fecha direito, é desse entremeado de pequenos gestos, pequenas lembranças, que se tece a vida, não para virar uma obra de arte para ser pendurada na parede, mas para ficar retida na retina, na pele, na língua. A vida que verdadeiramente se leva, sem metafísica ou ocultismos quaisquer. A vida ela mesma, por ela mesma. Simples.

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