domingo, 16 de dezembro de 2012

O Fim



Não, eu não sei lidar com a morte. Com o fim. Com o limite. Como uma criança que nega haver algo além de si mesma, eu vivo cada final como se fosse o derradeiro, como se fosse o grande fim. Não me acostumo. Não terá o dia seguinte, não terá um novo amanhecer, não. Dramático se não trágico. Total. Absurdo. Aviltante.

Nasci numa cultura em que é importante ligar qualquer pessoa do mundo com qualquer outra pessoa do mundo ou fora dele. Instantaneamente. A cada dia, a cada minuto, uma nova tecnologia une, reúne, relaciona. É a soma e, no pior dos casos, a competição. Mas nunca, nunca, nunca absolutamente é o fim, o limite, o muro.

E a vida, o que é afinal? Só quem não pensa na vida é quem tem tanta coisa para fazer o tempo todo que não sabe dizer por que ainda está correndo. Para quê? Para que esse movimento todo, essa insatisfação perene por mais e mais? É uma civilização contra o não. Uma civilização que corre o tempo todo atrás de algo, fugidio, escorregadio, mas que não se identifica. Sucesso? Conforto? Felicidade? Mas onde tudo estará quando você finalmente conseguir parar para usufruir?

Não, não existe a hipótese de parar até para usufruir. Não existe chance de vida após a correria. Acalmar-se é irritante. Irritante é o silêncio da calma. A calma é acomodação. O mundo urge, ruge, e pega o primeiro desavisado que está olhando para o tempo. Nunca esteja satisfeito. Nunca fique realmente feliz. Nunca, nunca, jamais, realizado, porque a realização é o fim de tudo. E para o fim, não há cura.

O fim. O fim de um relacionamento, quando é o início de outro, tudo bem. Ninguém vê. O fim de uma tarefa, seja ela a contento, ou descontento, tem que coincidir com uma nova tarefa, um novo desafio. Porque a vida urge, veloz e furiosamente. 

Porque o fim é a morte. E a morte é o fim da vida. A vida que sequer chego a entender. O sentido da vida que não desponta porque há que correr e não parar nunca para pensar na vida. A morte é o descontrole. Inesperada e certa: descontrole. Hiato. É não chegar a lugar algum de todos os caminhos propostos. A morte inutiliza toda a tecnologia de união. Todo o conceito de estar perto. Toda a objetividade.

E afinal, existe alguma objetividade na vida? Tudo é o olhar de cada um. Por isso, antes de não saber lidar com a morte, não sei lidar com o julgamento. Julgar é inexoravelmente uma total subjetividade. Um espelho que reflete só o que quero ver. E de resto, toda a vida é assim, uma somatória de subjetividades, uma realidade cheia de interpretações. O que de concreto realmente existe? Não dá sequer para falar em existencialismo. Tudo que há à minha volta, inclusive eu mesma, é uma interpretação, limitada e raquítica do que penso que sei.

Na projeção toda que faço do mundo, o mundo como o conheço – eu, a criança que conta sua história num eterno faz-de-conta – tudo é rápido ou lento, exagerado ou asséptico, sonso ou apaixonante conforme vou crescendo e doendo e rindo e querendo e conseguindo e perdendo e ganhando e entendendo e esquecendo e.

E depois de pensar em tudo, continuo onde estava antes: na frente da morte e da sua porta. Colocando a mão no bolso, inadvertidamente, dou com a chave da porta. Sempre esteve comigo. No entanto, eu me recuso a usá-la, me recuso a aceita-la. E assim, eu continuo vivendo, sorrindo e pensando que despistei. Se tudo que há no mundo é reflexo do meu pensamento, da minha consciência, então não penso nisso e tudo bem.

Aí, a cada morte, um drama sem fim. Uma dor incalculável. Um corte dilacerante, lancinante. Eu não quero que nada acabe. Eu não quero que ninguém morra. Eu não quero perder. E depois dos brados, do barulho todo, um cansaço que obriga o silêncio. E no silêncio, sim, no silêncio tudo é como é. E o fim não se apresenta tão feio. E o fim é apenas um jeito de falar para quem não aprendeu senão a sua própria língua natal. E para falar com o outro lado do mundo, o outro lado da vida, há que não temer a babel cotidiana. Há que aprender sem professor. Há que ouvir. Ouvir até o fim.

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