segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O sim e o não, o um e o zero

Acho que não existe bem e mal. O bem é o amor. O mal é a ignorância. Só isso. E na ignorância, fresca do gesto sem pensar, você pode inadvertidamente cortar o dedo de alguém. Tropeçar no pé de outrem. Tirar o doce de uma criança. Você pode esquecer o que fez, como a mãe esquece a dor do parto, e fazer de novo, e de novo, e de novo. Parece que precisa aprender repetindo.

E aprender para que? Porque tudo que você aprende com alguém só serviu para aquela experiência. Não serve para outra pessoa. Tudo que você sofreu em um momento só tem a ver com aquele momento. Seu momento histórico. Por isso o mal é a ignorância. Pagou? Próximo, por favor.

Agora, o amor não. Tudo que foi bom de viver é só lembrar que faz um sorriso espontâneo no rosto. O corpo todo sorri. É bom de lembrar tanto quanto foi de viver. Bom, mas bom mesmo. Fez bem para mais alguém? Não importa agora. Você está sorrindo de lembrar como se voltasse a viver tudo de novo. Assim é o amor. É um gerúndio contente.

Portanto, o bem e o mal também têm a ver com o tempo, outra miragem. O tempo que apaga o que foi escrito na pedra, que realça a cicatriz e melhora o gosto de tudo. O bem é o presente. O mal é o passado. Todo passado é mal? Não, mas todo aquele que deixa você atado num instante que já passou é. A dor não passa, a tristeza não passa, a vontade não passa, você não passa. Fica parado, prisioneiro de uma fantasia, de algo que já não existe mais. Já foi.

E no mal e no bem, nesse revezamento entre o amor e a ignorância, na alternância ou repetição de cada um, a vida entre as pessoas vai se tramando. Repleta de laços e nós. Uns mais apertados, outros soltos. Complexos como se a vida fosse um grande paradoxo. Quem pode negar que a amizade é um laço forte, mas frouxo? É para sempre e, no entanto, é livre. É total, mas é leve. E nessa liberdade incondicional ainda assim é exigente: pede reciprocidade. Por exemplo, você conhece alguma amizade platônica? Amizade é a oitava superior do amor. Desapegado, necessariamente, e unido.

O amor e o ódio, a mesma coisa. O mesmo lado do rio. A mesma carne, o mesmo sangue. E a dor? não fará par inconteste da intensidade? Quanto mais intenso, maior a dor, se houver dor. A intensidade é uma moeda que tem por face a paixão, dizendo quanto vale. E do outro lado, na insígnia, ela diz o seu preço. Dá para ter um desconto? Na intensidade não.

Assim, simples. Um dia, os deuses estavam entediados e resolveram criar. Criaram o átimo, a centelha criativa de si mesmos, para que pudesse, infinitamente, continuar criando e criando. Criando vida e morte, e renascimento e sublimação, forjando-se em si mesmas, as criaturas criadoras. E para que criassem assim, indefinidamente, plantaram uma semente em duas partes que se buscam no sem tempo da criação, procurando o sentido de haver tanta insatisfação e felicidade juntas. Aqui, diferente do joio e do trigo, eliminar uma é interromper a outra. O um é o saber conviver.

Nenhum comentário:

Postar um comentário