Comi pitangas no pé. Vermelhas, doces, perfumadas. Lavadas
pela chuva. Não pensava em nada, exceto em quanto é bom ter pitangas no
quintal. Então, me lembrei de um amigo recomendando que olhasse bem os pêssegos
de sua chácara antes de comer, pois havia bicho nas frutas. Ora, não existem
bichos nas frutas comidas, só nas que não foram comidas, não é mesmo?
Por isso, comi sem olhar todas as pitangas suculentas que
passaram pela minha visão e meu braço alcançava. Sem pressa, sem culpa, sem
medo. E se houve algum bicho nessas frutas, bem, tinha o gosto de pitanga.
Não é fácil sair de um lugar seguro para um mais
descontraído. E além de tudo, sem passar
para o lado descomprometido da vida. O que é fácil é errar a mão. Movimento
pendular. A força da mudança é tanta que você descompensa. Queria pular no rio,
mas, ao invés, chega na outra margem. O equilíbrio, sempre a parte a mais
difícil. E por equilíbrio não quero dizer o fio da navalha. Equilíbrio é não
cair depois de pular. E se cair, não se machucar. Porque a dor não é
equilíbrio. Nada a ver com merecimento, mas com desequilíbrio. Descontrole.
Eu já pensei que controlava minha vida. Já acreditei que
tudo que me ocorria era fruto exclusivo de minhas escolhas. Escolhas de estar
acordada pensando, refletindo. Como um jogo de xadrez, enorme, com dúzias de
participantes. Mas agora acho que a vida é mais parecida com um balé. Danço uma
coreografia combinada antes. Danço, esqueço o passo, volto a dançar, perco o
ritmo, erro a entrada, a saída, perco o par. Danço. Invento outro passo.
Já quis ser eficiente. Muito eficiente. Ser boa, excelente,
no que quer que fizesse. Agora, faço comer pitangas colhidas na hora, lavadas
na chuva, que não davam até o ano passado e hoje colorem a árvore. Comer e
deixar os caroços todos jogados lá mesmo. Para nascer um monte de pés de
pitangas. Para os pássaros. Para a terra comer também. Porque não tem problema nenhum
que alguma coisa se vá por terra.
Não é de desperdício que falo. É de descontração. Aceitar o
erro. O adverso. O inesperado. Parece pobreza, submissão? Mas é juízo. Viver a
vida e não tentar manipular. Viver a vida e não tentar ganhar sempre. E ficar
bem, assim mesmo. Respirar profundamente, só respirar. Até porque perder é um
estado de espírito, não é uma realidade. Da vida, mesmo, só fica o que cabe na palma da
mão. O resto escorre por entre os dedos.
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