- eu te amo.
- como é?
- eu-te-amo.
- ah.
(silêncio
profundo, olhares pendurados no varal, para secarem).
- sabe,
quando eu era criança, gostava de subir no telhado de casa e ficar olhando as
pessoas passarem. Elas não me viam e eu nem ligava. Era invisível. Como o vento
que soprava em suas nucas.
(silêncio
ainda).
- eu também
gostava de tomar chá gelado com bastante limão. E comer bolinho de chuva com
café. Biscoitos. Andar de bicicleta o dia inteiro. Eu amava ouvir música, alto.
Ficava sozinho horas e horas e horas. Não tinha medo de nada. Subia em árvore.
Mergulhava de cabeça. Caia da cerca. Andava no escuro.
- eu amo
essa pessoa que você é.
- “eu não
sei quem sou, que alma tenho...” represento em mim o grande personagem da minha
vida. Olho no espelho e não reconheço senão os traços; a pessoa, ela mesma, não
entendo. Pisca os olhos demasiado. Sorri nervoso, a boca seca. O mundo,
alecrim. E eu, os galhos esquecidos sem as folhas de uma árvore nua. Subam de
volta em mim! E elas me ignoram.
- mas você,
apesar de tentar o contrário, é bem uma pessoa.
- sonho
ininterrupto uma vida que se alarga. Quero o bem que até uma cobra venenosa
possa dar. Tão simples que até o escorpião – veja bem, o escorpião – mais
escondido em uma carapaça de boa aventurança, mesmo aquele que viu a lágrima
escorrer à sua vítima, até esse escorpião abra uma brecha e permita. Aceite.
Agradeça.
- “amo como
o amor ama”.
- qual amor?
Porque há amores plurais e singulares. Amores que vem e vão, e amores só de
ida. Amores floridos como jardineiras na janela. Amores preto e branco como
mármore, como túmulos recém fechados, como lápides sempre generosas. Amor doce.
Amor flor. Amor teia que envolve e prende e enlaça. Amor cercado de luzes,
tonalidades, real e imaginário. Fotografado em dia nublado, ou beijado,
cheirado, abraçado de perto, muito perto.
- eu peço
muito para você? Te amar?
(silêncio. A
música acabou. O vento parou. A geladeira desligou. Silêncio total).
- sim, me
desculpa.
- você não
precisa me amar. Eu só preciso dizer que te amo para que o meu corpo durma em
paz à noite. Para que minha sombra se projete para além do meu pé ligeiro. Eu
preciso dizer para que você me distinga do restante. De todos os outros seres
que amam, preciso me destacar pelo amor que sinto. Amo tanto e tantos, mas amo
você especialmente. Porque você é quem quero.
- ah, então
é isso. Querer. Desejar. Sexo. Você me engole nas noites de verão. Eu
desapareço no inverno das minhas emoções. Não sei senão sorrir minha alegria. E
chorar as dores. Às vezes trocando uma pela outra. Às vezes querendo uma com a
outra. Deixando entrar luz no quarto escuro sem rejeitar a escuridão. E
pós-render-me ao cansaço do haver amor. O suor de todos os gestos, o carinho
difícil do primeiro ato. Você me quererá no dia seguinte? Quando já não houver
mais sonhos e tudo se tornou realidade? Desejo realizado? Doce ou amargo,
realizado?
- eu te amo.
- minha
solidão, você quererá? Quererá quem sou quando nem eu mesmo me confesso?
Desejará saber o que faz minha mão esquerda, quando a direita enternecida
acarinha tua face ruborizada? Meus segredos? Meus silêncios? Quererá?
- eu te
amava quando ainda não conhecia. Te amava quando não havia sequer nascido. E de
te amar sem te ver ou saber, amo mais ainda agora. Agora, que sei menos de você
do que imaginava antes. E de não saber, amo o amor mais cristalino que já pude
viver.
- sim, eu te
amo.
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