Imagine que eu já sei quem você é. Que marcamos de nos
encontrar essa semana, talvez a semana que vem, na rua, na passagem das horas,
no cruzamento de olhares que se reconhecerão. Imagine que não temos tempo de
mais nada, apenas nos encontramos como a lua se encontra, de repente, com a
noite. De repente e pronto. Sem convites, sem telefones, sem escolhas. A rua
fria, quase nublada daquela névoa que aparece nessa época. A rua deserta como
são desertas as noites sem guarda-chuva. E imitando um sonho, história contada
e recontada tantas vezes que virou verdade, você vem descendo o passeio do
outro lado, sob as luzes acesas, apenas contando os passos, olhos baixos,
desatentos.
E porque sei quem você é, eu espero, ando com vagar, uma
música tocando ao fundo da alma. Procuro estrelas para contar, procuro contar
os pulsos, completamente absorta do que será. Já escuto os passos, já entrevejo
o balançar dos seus cabelos na brisa fria daquela hora. E como se ouvisse meus
pensamentos, você levanta o braço e, dedos envoltos, joga-os para trás. Assim,
no acaso da calçada, no compasso do quase inverno, estamos indo para o mesmo
ponto, o mesmo lugar. Você sabe que horas são? Sabe qual é aquela estrela?
Posso falar sem parar de todas elas, posso falar do rio que corre transparente,
e dos seus cabelos estrategicamente espontâneos voltando a cair para frente. Ao
invés, calo as palavras capturadas e sem sentido. Calo o silêncio entre duas
notas, a pausa retida no pedal, a duração ansiosa de segundos intermináveis.
Cada movimento sem pensar está sob o controle de um ímã, que
atrai enquanto despista. Você vem? Eu vou. A sequência de pensamentos perdida e
inútil. Falarei alguma coisa? Conseguirei articular uma frase? E tal como um filme em câmera lenta, vejo
ainda cair os seus cabelos pela fronte e esvoaçar para cima novamente. Cadência
de pêndulo adivinhando meu destino. Sigo em frente sem perceber a hora que
parei, o momento que sentei na calma, à espera de sua passagem. Do lado
contrário, você não reduz, não perde o ritmo, e quando assim me vê, parada na
sua passagem, sorri apenas, o sorriso do feitiço da lua cheia. Claro e
brilhante. “olá”. “olá”? pergunto, mas deveria responder.
E se você ainda pensa em seguir em frente, eu interrompo o
gesto. Vou pedir alguma coisa, perguntar as horas, tossir, espirrar, qualquer
coisa que faça você parar. Então, você me verá. Outro sorriso, agora de
reconhecimento, e eu de novo tremendo, sorrio para me apresentar. Você sabe
quem sou eu. Eu sou todas histórias contadas à exaustão toda noite antes de
dormir. Sou o final feliz, o momento do beijo, o sim.
Meu nome é árabe, das mil e uma noites, meu nome vem do
oriente, do sol poente, meu nome foi escrito nas pedras dessas montanhas, foi
escrito com a tinta das nuvens que passam baixas quase tocando as faces
descobertas. Ele combina com o seu que foi feito de fogo, riscado à flecha na
areia do caminho, que arde na noite quando não há lua. Seu nome ligado ao meu é
um mantra que o céu canta sem parar. É o amor que entrelaça sem amarrar, que
enlaça sem prender. Seu nome sussurrado assim na noite de névoa é o presente
que sabia que iria ganhar.
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