segunda-feira, 14 de maio de 2012

O drama e o Outro


A dramaticidade me capturou. Olhos vermelhos, veias saltadas no pescoço, nas mãos. Os maxilares presos, tensos. Era Julio Cesar reconhecendo Brutus. Era o segundo antes do fim da guerra, antes do sim. Era meia noite, sem lua. Sombras e brilhos fugidios no momento da promessa. A palavra começada na boca entreaberta. “eu juro”.  Silêncio. Profundo. O drama no primeiro ato, o primeiro personagem encontrado sob a luz que se acende. Levantando a cabeça devagar, deixando entrever o olhar duro. O olhar que olha diretamente no meu. Um encontro que me reconheceu como o espelho.

Olho para o espelho e gosto do que vejo. Aquelas roupas que não eram as minhas. Aquela expressão que não era eu. “quem está aí?” a pergunta ecoa no vazio, sem resposta. A madeira do assoalho estala sem nenhum passo. “quem está aí?”, a insistência nervosa, a voz destacada na penumbra. Todo o cenário pronto, descrito com o sangue que escorria das veias. Um bilhete de despedida. Leio. Letra trêmula, disfarçando o ato premeditado. “eu não queria isso”. E queria o que? Dissimulação. 

O rosto marcado, cansado, tarde demais para se arrepender. Tarde demais para voltar atrás. Ou nunca é tarde. Nunca é demais. O mesmo olhar a me olhar na dureza da falta de luz. A me olhar como se soubesse o que fiz. Você não pode abreviar o que já foi escrito. Não pode mudar o que já viveu. Ela perplexa, por trás da maquiagem bem feita, começa a escrever o bilhete. Já escrevera com baton no espelho o recado base de sua vida: “te amo”. E ao acordar, no meio da manhã, surpreendeu-se com a delicadeza. “você é linda”. Todas as palavras já ditas que o amor sempre repete. Que há de novo? Sim, é sempre de novo.  Na hora de abaixar as cortinas, um pouco de pó se deixa cair na luz do refletor. Porque tem muito pó no drama. O papel que, ao pegar fogo, se derrama como se fosse líquido. 

Papel de quem não se importa mais, não importa mais para nada. Deixou-se cair no sofá, depois no tapete e, semidesperta, despida já do calor que lhe fazia humana, o brilho opaco dos lábios na frase incompleta, “o que que eu fiz?”,  não tirou o olhos do meu fitá-la, incompreendida, largada no chão frio. Eu, testemunha do seu ato. Eu, apenas pagante de seu drama. Eu. E ela embriagada, embargada, sem voz, perdendo-se no lá dentro de si mesma. Até não restar nada de si. Nada do que fora. Nada. O gesto paralisado no meio. E depois, segue o silêncio e o escuro. Instantes de hesitação e logo a vibração irrompe nos aplausos da plateia que está ainda em prantos, acabada, soluçando, levantando-se e aplaudindo mais. 

Eu, ainda tonta do que houvera, a cabeça em maresia, vou despertando aos poucos do fundo da minha alma estraçalhada no espelho. Não aplaudo, agradeço mecanicamente. Depois, mais recomposta, entendendo o que está acontecendo, levanto e recebo com prazer o que me é dado. “obrigada, obrigada”.

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