A dramaticidade me capturou. Olhos vermelhos, veias saltadas
no pescoço, nas mãos. Os maxilares presos, tensos. Era Julio Cesar reconhecendo
Brutus. Era o segundo antes do fim da guerra, antes do sim. Era meia noite, sem
lua. Sombras e brilhos fugidios no momento da promessa. A palavra começada na
boca entreaberta. “eu juro”. Silêncio.
Profundo. O drama no primeiro ato, o primeiro personagem encontrado sob a luz
que se acende. Levantando a cabeça devagar, deixando entrever o olhar duro. O
olhar que olha diretamente no meu. Um encontro que me reconheceu como o
espelho.
Olho para o espelho e gosto do que vejo. Aquelas roupas que
não eram as minhas. Aquela expressão que não era eu. “quem está aí?” a pergunta
ecoa no vazio, sem resposta. A madeira do assoalho estala sem nenhum passo.
“quem está aí?”, a insistência nervosa, a voz destacada na penumbra. Todo o
cenário pronto, descrito com o sangue que escorria das veias. Um bilhete de
despedida. Leio. Letra trêmula, disfarçando o ato premeditado. “eu não queria isso”.
E queria o que? Dissimulação.
O rosto marcado, cansado, tarde demais para se arrepender.
Tarde demais para voltar atrás. Ou nunca é tarde. Nunca é demais. O mesmo olhar
a me olhar na dureza da falta de luz. A me olhar como se soubesse o que fiz.
Você não pode abreviar o que já foi escrito. Não pode mudar o que já viveu. Ela
perplexa, por trás da maquiagem bem feita, começa a escrever o bilhete. Já
escrevera com baton no espelho o recado base de sua vida: “te amo”. E ao
acordar, no meio da manhã, surpreendeu-se com a delicadeza. “você é linda”.
Todas as palavras já ditas que o amor sempre repete. Que há de novo? Sim, é
sempre de novo. Na hora de abaixar as
cortinas, um pouco de pó se deixa cair na luz do refletor. Porque tem muito pó
no drama. O papel que, ao pegar fogo, se derrama como se fosse líquido.
Papel de quem não se importa mais, não importa mais para
nada. Deixou-se cair no sofá, depois no tapete e, semidesperta, despida já do
calor que lhe fazia humana, o brilho opaco dos lábios na frase incompleta, “o
que que eu fiz?”, não tirou o olhos do
meu fitá-la, incompreendida, largada no chão frio. Eu, testemunha do seu ato.
Eu, apenas pagante de seu drama. Eu. E ela embriagada, embargada, sem voz,
perdendo-se no lá dentro de si mesma. Até não restar nada de si. Nada do que
fora. Nada. O gesto paralisado no meio. E depois, segue o silêncio e o escuro.
Instantes de hesitação e logo a vibração irrompe nos aplausos da plateia que
está ainda em prantos, acabada, soluçando, levantando-se e aplaudindo mais.
Eu, ainda tonta do que houvera, a cabeça em maresia, vou
despertando aos poucos do fundo da minha alma estraçalhada no espelho. Não
aplaudo, agradeço mecanicamente. Depois, mais recomposta, entendendo o que está
acontecendo, levanto e recebo com prazer o que me é dado. “obrigada, obrigada”.
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