segunda-feira, 6 de maio de 2019

a borboleta e a tarde


Ele era mais velho, mais calmo, e era padre. Ela era Madalena. Eram apaixonados reciprocamente em silêncio. Jamais nenhum demonstrou o seu amor ao outro; ele por fé e crença no conhecido amor a cristo; ela pela descrença em si, por pouco entender do amor.

Quando se encontravam na igreja ou na caridade comum, era com sorriso sem graça que ela o olhava, quase às escondidas. E ele, pelo que se esperava de um padre, retornava com um olhar paternal, protetor.

Assim ela teve tempo de crescer, teve tempo de viver outros amores, outras rodas. A liberdade, que estava em seu dna, em sua herança, a levou para longe, atravessou o mar, o oceano. Foi olhar outras paragens, foi pisar outras areias.
Ele insistentemente ficou a mirar o horizonte imaginando que ventos balançavam os cabelos dela, talvez soltos, talvez caídos nos ombros. Ficava contemplando o nascer do dia por trás do violeta da madrugada, a se pegar sozinho na sua rotina escolhida.

Ela foi militar, sonhar, perder e ganhar. Ele foi militar, sonhar, ganhar e perder no mundo. Como se fossem múltiplos, plurais, imprecisos, se deixaram levar um do outro por fraca convicção. E o mundo girou, como uma borboleta que entra na praia em direção ao mar alto, sem saber ainda o que é morrer no mar.
Ela voltou um dia.

E, um dia, eles se reencontraram.

Ele a achou muito mais linda, sob sua fé já desgastada. E ela já não respeitava limites.

Encontraram os olhares no final da tarde, quando quase não havia luz, mas um brilho difuso, vindo de lugar nenhum, talvez do outono, mas que conseguia iluminar seus rostos. Ela sustentou uma alegria indisfarçada na boca.

O que nele esse tempo todo foi negado, agora aflorava sem culpa, um vazio no estômago, um torpor na cabeça. Pensou que desmaiava e não pensou mais. Deixou-se levar pelo sangue que lhe corria nas veias em ritmo frenético.
Foi ela quem deu o primeiro passo, a primeira palavra, que estendeu a mão. Ele, contagiado por uma aragem que subia pelos pés arrepiando sua pele, se deixou tocar.

O tempo que afasta pessoas, que esquece as mágoas, apaga dores, aumentou a vontade dos dois. Fez saber que não haveria mais tempo pra depois. Fez unir as mãos, num enleio, os olhos se firmaram, e então as bocas chegaram. Uniram-se num beijo como se nada fosse para sempre, mas naquele dia era.



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