Ele era mais velho, mais
calmo, e era padre. Ela era Madalena. Eram apaixonados reciprocamente em
silêncio. Jamais nenhum demonstrou o seu amor ao outro; ele por fé e crença no
conhecido amor a cristo; ela pela descrença em si, por pouco entender do amor.
Quando se encontravam na
igreja ou na caridade comum, era com sorriso sem graça que ela o olhava, quase
às escondidas. E ele, pelo que se esperava de um padre, retornava com um olhar
paternal, protetor.
Assim ela teve tempo de
crescer, teve tempo de viver outros amores, outras rodas. A liberdade, que
estava em seu dna, em sua herança, a levou para longe, atravessou o mar, o
oceano. Foi olhar outras paragens, foi pisar outras areias.
Ele insistentemente ficou
a mirar o horizonte imaginando que ventos balançavam os cabelos dela, talvez
soltos, talvez caídos nos ombros. Ficava contemplando o nascer do dia por trás
do violeta da madrugada, a se pegar sozinho na sua rotina escolhida.
Ela foi militar, sonhar,
perder e ganhar. Ele foi militar, sonhar, ganhar e perder no mundo. Como se
fossem múltiplos, plurais, imprecisos, se deixaram levar um do outro por fraca
convicção. E o mundo girou, como uma borboleta que entra na praia em direção ao
mar alto, sem saber ainda o que é morrer no mar.
Ela voltou um dia.
E, um dia, eles se
reencontraram.
Ele a achou muito mais
linda, sob sua fé já desgastada. E ela já não respeitava limites.
Encontraram os olhares no
final da tarde, quando quase não havia luz, mas um brilho difuso, vindo de
lugar nenhum, talvez do outono, mas que conseguia iluminar seus rostos. Ela
sustentou uma alegria indisfarçada na boca.
O que nele esse tempo todo
foi negado, agora aflorava sem culpa, um vazio no estômago, um torpor na
cabeça. Pensou que desmaiava e não pensou mais. Deixou-se levar pelo sangue que
lhe corria nas veias em ritmo frenético.
Foi ela quem deu o
primeiro passo, a primeira palavra, que estendeu a mão. Ele, contagiado por uma
aragem que subia pelos pés arrepiando sua pele, se deixou tocar.
O tempo que afasta
pessoas, que esquece as mágoas, apaga dores, aumentou a vontade dos dois. Fez
saber que não haveria mais tempo pra depois. Fez unir as mãos, num enleio, os
olhos se firmaram, e então as bocas chegaram. Uniram-se num beijo como
se nada fosse para sempre, mas naquele dia era.
Nenhum comentário:
Postar um comentário