domingo, 22 de novembro de 2015

A vida real

Gosto de dias nublados do mesmo modo como gosto de dias claros. Gosto principalmente da sucessão entre eles, da não uniformidade, da imprevisibilidade como seguem um ao outro. O que não gosto em tudo é a teimosia em manter-se em estado de ser o mesmo. A teimosia de continuar sendo o que era, repetindo-se. A teimosia, em si.

E não é um gostar assim abstrato, intelectual, como quem gosta de coisas que nunca experimentou, ou acha que seja melhor assim. Quando se supõe uma situação hipotética, nós somos sempre heróis. Sempre estamos identificados no lado da força e da luz. Nunca nos vemos como aquele que terá uma reação sórdida ou horrível. Exceto se esse horrível estiver de acordo com nossos princípios e valores. E então, decerto, não será assim mesmo uma coisa horrível.

Agora que sei que fazemos parte de uma ilusão de realidade, e que tudo, tudo, tudo que vemos e acreditamos ser objetivo e externo não passa de uma experiência interna, subjetiva, agora, estou mais feliz. Isso me fascina. Fascina que o destino seja uma das possibilidades que se me apresenta e que seja também fruto de minhas escolhas, profundas, intrínsecas. E fascina também o mistério que a envolve. Como é que posso viver experiências doloridas por escolha? Onde estava minha consciência nesse momento?

Bem, minha consciência estava inconsciente de que me causaria dor, claro, até o momento doloroso da vivência. Leituras e decisões envoltas em véu, que só se mostram como são depois de fazer doer. Ou não. Mostram-se também na contemplação alegre de um dia nublado e lindo por trás de árvores. Mostram-se na beleza inusitada de gotas de chuva numa folha, ou na beleza intencionada de um artista. Como caixas de surpresas, cada gesto levando a um despertar diferente, novo, sensível. E dramático. Como a beleza colorida de um pássaro que, à minha frente, sem hesitação, rouba o ninho de outro, levando consigo seu filhote frágil e indefeso.

Não. Definitivamente a vida é mais complexa do que uma sucessão de certo e errado, de bom ou mau, de céu e inferno. A vida tem mais nuances e percalços do que gostaria a preguiça em aprender e crescer. A inércia esperava pelo mesmo ritmo de sempre. Sem solavancos. Um voo sem turbulência.
Quando olho para a cena do pássaro maravilhoso em sua única atitude possível, penso que há uma explicação para tudo, até para os flagelos. Ou, ao menos, procuro ver um significado em tudo. E encontro. Porque, sim, viver é melhor que sonhar, mas uma vida sem sonho é uma existência, apenas, difícil para levar. Uma existência à mercê de eventos aleatórios demais para que eu aceite.

Necessito do sonho como da água para molhar a boca e a garganta toda manhã quando acordo. Necessito acreditar que a beleza ou alegria sejam estados internos, subjetivos, e que, portanto, depende apenas de torná-los reais ou distantes a cada dia. Claro. Nada disso é tão somente resultado de um pensar intelectual e básico. E ninguém é tão básico assim, que muda por decisão racional, independente de seus sentidos. Posso viver o atrito entre os sentidos e a razão, unificados em uma mente obcecada em acertar, ou posso viver a harmonia dos opostos em sucedâneos indo de um sentimento a um pensamento, e criando novos caminhos e novas conclusões.

Quando a realidade é um reflexo do que sinto e experimento, retroalimentada por julgamentos anteriores, então a vida se torna um lugar melhor para estar. Um lugar no qual minhas escolhas, mais do que definir a qualidade, são também o piso e o cascalho onde apoio meus pés. É como se, de repente, eu pudesse mudar o final do filme que acabei de assistir. E posso. Posso olhar para trás e verdadeiramente me perdoar, perdoar a todos, e escolher amar, ao invés de sofrer.

E no final, entre uma atitude e outra, o que quero, como todos, em tudo é amor, amar e ser amado. Da eletricidade dos átomos que se unem ou se liberam, da paisagem que se descortina iluminada ou nublada, dos gestos que estendem as mãos ou se recolhem, das bocas abertas em meio a uma palavra que reflete o que vai no peito, no âmago, em tudo que foi dito ou por dizer, e em cada som ouvido, do canto dos pássaros ao grito de horror, tudo que provoca uma reação química ou física ou magnética em mim, antes de tudo, antes do princípio, fui eu quem engendrou. E assim, mais do que nunca, sei exatamente que deus existe e que me criou à sua imagem e semelhança, um deus também que se cria e se recria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário