Mas existe
um momento quase imperturbável em que é preciso ver a falta, sentir a ausência,
falar do que não foi, deixou, partiu. Em que é preciso olhar para o vazio que
ficou ao lado, no quadro da parede. Os dias que não foram comemorados, os copos
meio vazios. Colocar a mão no lençol frio. Ler sozinho o recado que deixou no
espelho.
É preciso,
é preciso, é miseravelmente preciso ver que não há mais a palavra trocada, o
beijo trocado no escuro da madrugada querendo amanhecer. Todo o calor que
aquecia o peito, e que trazia uma xícara de café para completar o dia, tudo que
podia haver para recostar a cabeça e fechar os olhos, tudo não há mais.
Olhar para
o jardim e sentir a falta da flor que antes abrira em perfume e cor. Ver passar
o dia e anoitecer solenemente. Perder o rumo de casa, passar o portão, perder o
ponto. Tropeçar na areia, afogar no chuveiro, engasgar com saliva, a própria
saliva mal engolida. O pente que embola e embaraça. O sabão que não limpa. Ter
as unhas sujas do pó dos dias.
Parece que
é um remédio. Um amargo remédio. A semente que se derrama na terra, inútil.
Impotente. A gota que se perde ao vinho, ainda que todo cuidado. Ainda que o
copo próximo. Onde o beijo que quase sufocava? A dor na pele do peso do corpo?
Quando foi que a chuva parou? O sol se apagou? E o dia não veio?
Quando a
marca do pó no móvel mostra o vazio, então a felicidade se desenha. Invisível
como o vidro da janela, embaçado pelo calor de dentro, áspero para sentir o
doce da língua. A felicidade, onde está ela? O espectro do arco-íris nas cores
que sobraram, esmaecidas, desmazeladas.
Sim, às
vezes não basta apagar o que foi escrito, é preciso rasgar, queimar, espalhar a
cinza ao vento, no rio. É preciso doer o arame farpado dos limites, as portas
fechadas inesperadamente, a cabeça dura até cortar a pele no fim de tudo. Tirar
a pele dura das pontas dos dedos, cirurgicamente. Excessivamente zelosa. Preciso
como traçar o mapa estelar que vai levar o barco até um ponto improvável na
imensidão do oceano.
E no duro
que é aceitar verdades inaceitáveis, imperscrutáveis, descabidas – toda dor é
descabida – encostar-se o quanto puder relaxar. Perceber o gosto do ar. Tomar
para si que o copo está definitivamente meio vazio. Simples. Com sede ou não.
Depois de tudo ainda, resta ao menos beber a água do copo, antes que possa
enchê-lo novamente. Agora, por favor, cachaça.
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