Pão. Não reparti o pão. Ao contrário, mais eu tivesse,
mais eu quereria. Fosse o corpo sagrado do filho de deus, sim, eu repartiria
com os meus, os teus, com os nossos. Mas, sendo assim o que era, a
materialização de um desejo na forma voluptuosa de um pão, perfumado, macio,
bom de pegar, eu resisti.
Capturei o instante exato em que meus lábios tocaram
primeiro levemente o seu corpo ofertado. Na luxúria dos rituais profanos, comer
é encontrar satisfação onde antes só havia fome.
Mas o pão. Comi com a grandeza dos que sabem o que
fazem e se reconhecem uns aos outros pelo olhar. Com a entrega também de quem
espera. E espera sem cansar. Nele, os segredos inconfessos da mão que o amassou
vão se derramando aos poucos, se derretendo feito manteiga, fazendo brilhar os
lábios, escorrer pelo queixo toda sensualidade que lhe confere.
O pão me recuperou do ocaso. Tirou-me o olhar do
pôr-do-sol para furtar-me, prender-me, entreter-me no reinado da lua cheia. Na luz
fria que tudo ilumina, mesmo o mais recôndito dos mais recônditos dos sentidos,
voltei para casa sem me deixar afetar pelo cansaço do corpo. A alma irradiante.
E de um momento em que só havia sofreguidão e
desventura, o cavalo deixado fora nas caminhadas da vida, o ar frio noturno
tendo passado fazendo arrepio na pele desprotegida, depois disso tudo, o
alimento que a alma ansiava, e o coração pedia. O pão.
E o vinho? O vinho corria insistentemente nas veias de
um coração inebriado. Fora a lua cheia? Fora mordida por lobisomem? Cachaça em
domingos sem fim? Não, a embriagues volátil da intensidade. O aroma de jasmim
no seio sonhado. Todo o chão perdido no pisar que não olha para trás. Como cheiro
de pão assando. Como o aceno de mão no adeus.
Eu. Apenas suspeitando, sob o peito, as batidas
desconexas. Apenas e tão somente querendo saciar a fome da noite, boca de
estrelas, querendo invadir e me perder nas tramas, o rio fácil. Ininterrupto. Sem
ponte. As margens isoladas por vagalumes. Fora do ar. Miragem de oásis no
deserto sem guarda-chuva. Eu, você, o pão. Quem precisa de vinho?
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