terça-feira, 22 de outubro de 2013

Pão



Pão. Não reparti o pão. Ao contrário, mais eu tivesse, mais eu quereria. Fosse o corpo sagrado do filho de deus, sim, eu repartiria com os meus, os teus, com os nossos. Mas, sendo assim o que era, a materialização de um desejo na forma voluptuosa de um pão, perfumado, macio, bom de pegar, eu resisti.
Capturei o instante exato em que meus lábios tocaram primeiro levemente o seu corpo ofertado. Na luxúria dos rituais profanos, comer é encontrar satisfação onde antes só havia fome.

Mas o pão. Comi com a grandeza dos que sabem o que fazem e se reconhecem uns aos outros pelo olhar. Com a entrega também de quem espera. E espera sem cansar. Nele, os segredos inconfessos da mão que o amassou vão se derramando aos poucos, se derretendo feito manteiga, fazendo brilhar os lábios, escorrer pelo queixo toda sensualidade que lhe confere.

O pão me recuperou do ocaso. Tirou-me o olhar do pôr-do-sol para furtar-me, prender-me, entreter-me no reinado da lua cheia. Na luz fria que tudo ilumina, mesmo o mais recôndito dos mais recônditos dos sentidos, voltei para casa sem me deixar afetar pelo cansaço do corpo. A alma irradiante.

E de um momento em que só havia sofreguidão e desventura, o cavalo deixado fora nas caminhadas da vida, o ar frio noturno tendo passado fazendo arrepio na pele desprotegida, depois disso tudo, o alimento que a alma ansiava, e o coração pedia. O pão.

E o vinho? O vinho corria insistentemente nas veias de um coração inebriado. Fora a lua cheia? Fora mordida por lobisomem? Cachaça em domingos sem fim? Não, a embriagues volátil da intensidade. O aroma de jasmim no seio sonhado. Todo o chão perdido no pisar que não olha para trás. Como cheiro de pão assando. Como o aceno de mão no adeus.

Eu. Apenas suspeitando, sob o peito, as batidas desconexas. Apenas e tão somente querendo saciar a fome da noite, boca de estrelas, querendo invadir e me perder nas tramas, o rio fácil. Ininterrupto. Sem ponte. As margens isoladas por vagalumes. Fora do ar. Miragem de oásis no deserto sem guarda-chuva. Eu, você, o pão. Quem precisa de vinho?

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