Sim, já tive um grande amor da minha vida. Um para cada vida
que vivi. Grande como a vida merece. E, claro, que fez rir e fez chorar, fez
levantar no meio da madrugada para nada. Fez espuma, jogou confete, derreteu e
se acabou. Quase no mesmo momento em que morri em todas minhas vidas. Às vezes
antes do amanhecer, em noites de frio e breu, às vezes depois, em novembro, em
pleno verão, aberto como praia cheia. Tanto movimento, tanto burburinho, e
tanta onda.
Amores, se grandes, enlaçam as veias todas. Deixam o coração
batendo bruto. Exigem músculos potentes, estremecem o peito e fazem a boca
seca. E depois, vão passando os dias, vão passando as horas, os olhares, que se
fixavam, vão cruzando a sala. É que a vida não tem intenção, não tem motivo. A vida
vai correndo como água solta de regato que fica preso nos barrancos. E indo,
indo, indo, um dia vai de vez. O amor, diferente da vida, fica.
O que faz de um amor aquele que brilha alto na memória de
cada célula do corpo, acima de tudo e de todos os outros, o que faz de uma
lembrança ser a mais perfeita correspondência para a realidade, é, não
exatamente o que ele foi ou fez, mas aquilo que ele tocou no momento em que
tocou. Porque tantos outros, antes ou depois, podem ter tocado de forma
especial o mesmo ponto, atingiram um encanto como outro e outro e outro, mas não
amanheceram ali e tornaram a anoitecer numa rapidez tão grande que fez uma
cicatriz, uma marca, deixou uma frase incompleta, a boca aberta no meio da
palavra, inconclusa, o ar preso um segundo antes de voltar a ser livre e frio.
Se o amor é uma incógnita, um grande amor é uma lenda. Entre
tantas lendas que vivi, algumas viraram cinema, ganharam a tela grande. Essas enjoam
de lembrar. Ou enervam. Ou tiram o sono. É como se a vida revivesse no olhar
perdido que se volta para dentro. E, revivido, remonta o gosto, refaz o riso,
quântica da quântica, acaba com o espaço e o tempo. Assim, nenhum amor é vão. Nem
mesmo os que se foram.
Assim, todo amor é grande, desde que seja amor. Não falo de
pequenos encontros e desencontros, danças de quadris que se esbaldam, ou de
noites tórridas e lancinantes. Não falo de momentos densos e impetuosos de
braços que se abraçam ou se amassam. Mas daqueles quase insólitos movimentos de
olhos que se tocam e perpetuam o tempo. Aqueles quase infinitos segundos em que
a aorta rebate forte, bateria de tímpanos e pratos, e a pele apenas imaginada
ou sonhada ou inventada, macia, aperta para sempre a sua pele incrédula.
Sim, porque não há amor na mornidão como não há fogo na
cinza. O amor é luz, amarelo e vermelho, flamejante. Ao brilhar, acende o mundo
à sua volta. Traz tudo para mais perto, aumenta, engrandece, elege. O amor que
traz em si a verdade alegre e generosa acredita. Acredita em si e, porque assim
crê, acredita no outro. E tanto que não deixa espaço para dúvida, não perde
tempo com pequenices. Não esmola, não carece, não adoece. Segue em frente sem
olhar para trás. E quando termina, como tudo que é lindo e grande, quando finda
na lua nova ou no fim do dia, então vira constelação. De repente. Abrupto. Cortante.
Porque todo grande amor é cortante, afiado e corrosivo. Não deixa nada de velho
em seu lugar. Abusa. Ao invés de jogar a chave por debaixo da porta, sai sem
bater. Desce as escadas precipitadamente. Sem deixar bilhete ou explicação. Destino
de vento.
Na minha coleção de grandes amores, apenas o meu grande amor
por todos me espreita. Intenso e sensível. Todos os outros seguiram sua viagem
rumo ao infinito. Quanto dura um amor? Depende do encantamento que faz sua passagem,
como o sol que ilumina e projeta sombras para todo lado. Mas a verdade é que
amores não duram. São. Não passam. São. Não morrem, são. Presente do
indicativo. Fora isso, é a vida que se desmancha em outras vidas.
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